segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Xenosaga: The Animation (TV)

OBS: Resenha publicada originalmente no Animehaus em 24/09/2005

Ano: 2005
Diretor: Tsuyoshi Koga
Estúdio: Toei Animation
País: Japão
Episódios: 12
Duração: 30 min
Gênero: Mecha / Sci-Fi



Se você mora nesse planeta chamato Terra há algum tempo (ou mora nos arredores), não deve ter deixado de reparar que a humanidade tem uma tendência obsessiva em se meter em roubadas. Esse fenômeno é amplamente conhecido e possui incontáveis exemplos práticos, assim como é um fenômeno
completamente inexplicado até então pela ciência. Um certo austríaco disse que tinha muito a ver com a nossa mãe e a infância, mas eu tenho lá minhas dúvidas que a coisa seja tão simples assim.

Seja como for, a humanidade não perde uma chance de se meter em frias. Só que dessa vez nossos semelhantes se meteram em algo muito maior do que eles poderiam imaginar. Sinceramente eu não gostaria de estar no lugar deles, porque a pegada é feia...

Vamos aos fatos: por idos do ano "dois mil e lá vai arroz", foi descoberta em um sítio arqueológico uma nova fonte de energia batizada como Zohar. Trata-se de um enorme objeto dourado em forma de cruz e que supostamente tem capacidade de ser uma fonte infinita de energia, pois negocia diretamente com a 4ª dimensão, uma dimensão composta puramente de energia. Muito bem, agora vamos nos despedir do século XXI e viajar alguns anos no futuro... milhares de anos, aliás.

É aqui que se desenrola a obra-prima de Tetsuya Takahashi, transposta direta e integralmente do Playstation 2 para o mundo dos animes pelas mãos da Toei Animation. Mas vamos falar dos aspectos técnicos posteriormente: continuemos a história.

Como foi dito anteriormente, a humanidade está bem encrencada. Encrencada e longe de casa: não só o planeta Terra foi abandonado, mas sim todo o quadrante do sistema solar foi selado para sempre, todos os registros de sua localização foram apagados para que ninguém nunca mais voltasse lá. Porque? Ah, essa é a pergunta do milhão...

Sim, há a guerra também. Os inimigos dessa vez são uma entidade alienígena chamada de "Gnosis", que nada mais são do que "monstros" que vagam no espaço (quem já assistiu Gunbuster deve pensar nos inimigos alienígenas desse anime, pois é exatamente a mesma coisa), alguns do tamanho de pessoas, outros maiores do que cruzadores estelares. Os principais problemas dessa guerra são os seguintes: os inimigos são capazes de aparecer do nada, simplesmente emergindo do tecido do espaço. Isso até não seria o pior, não fosse o fato destas serem criaturas etéreas capazes de atingir o oponente perfeitamente, como se fossem sólidos. Também tem o fato deles serem atraídos pelos Zohar... Complicado, deveras...

Entretanto, a esperança não está de toda perdida, pois para enfrentar tal ameaça (supostamente essa seria a finalidade), foi desenvolvida a mais poderosa arma de destruição em massa jamais criada pela humanidade. A arma perfeita, consciente porém desprovida de sentimentos, atende por um nome e é uma das coisas mais interessantes deste capitulo de Xenosaga: KOS-MOS.

A andróide de cabelos azuis desprovida de qualquer sentimento humano (de fato, é a máquina mais "máquina" que eu já tive o prazer de conhecer) foi desenvolvida pela cientista Shion Uzuki e encontra-se a bordo do cruzador Woglinde para teste de ativação. Curiosamente, a andróide possui segredos e programações que nem mesmo a sua criadora conhece. Como é possível isso?


Simultaneamente, quase do outro lado da galáxia, há um ciborgue que um dia fôra humano (reanimar cadáveres como ciborgues era uma pratica comum, tendo em vista a necessidade de mão-de-obra, principalmente militar, mas na atualidade em que se passa a história, ciborgues não são nada além de obsoletos depois do advento dos realianos) e é incumbido de uma missão mais importante do que ele pode imaginar: resgatar um modelo realiano de observação (realianos são seres humanos compostos artificialmente, há bastante preconceito contra eles, apesar de legalmente terem os mesmos direitos: nada que você nunca tenha visto por aqui...) das garras de uma seita fanática religiosa supostamente extinta. Por acaso, o modelo atende pelo nome de MOMO e foi criada a imagem e semelhança da filha do falecido cientista Joaquim Mizhari, envolvido diretamente com um incidente terrível no planeta Second Miltia, que marcou para sempre o passado de todos e tem ligação direta com o surgimento das Gnosis. Naturalmente a questão mais interessante não é COMO se inicia uma guerra com seres extra-planares, não, isso é apenas um mero detalhe técnico. A pergunta que realmente importa aqui é: POR QUÊ?

No decorrer da série, essas duas pontas acabam se encontrando e viajando juntos em direção a algo realmente grande, ao longo que outros personagens acabam envolvidos de cabeça na trama.

Caso você esteja contando, eu já mencionei que as coisas são "grandes" pelo menos três vezes, mas realmente não há outra palavra para descrever um dos projetos mais ambiciosos e criativos da ultima década. E caso, novamente, a palavra "Xenogears" signifique alguma coisa para você, então é muito provável que você me dê razão sem precisar ler mais nada.

O fato é que no ano de 1997, enquanto o mundo dos games aguardava ansiosamente o lançamento do oitavo capítulo da saga Final Fantasy, a então Squaresoft lança para o Playstation uma das mais criativas tramas já elaborada por uma mente humana. Trata-se do RPG Xenogears, que mesmo tendo sido lançado incompleto (a própria produtora achou a coisa toda polêmica e ambiciosa demais, e decidiu não arriscar, lançando o jogo com apenas 3/4 concluídos). Porém, a história era tão boa, mas tão boa, que mesmo o jogo incompleto acabou fazendo o seu nome. Porém, surpresa maior ainda aguardava no final do jogo, uma pequena frase: "Xenogears - Xenosaga Episode V". Ou seja, aquela trama fantástica era apenas a pontinha do iceberg de algo muito maior. É um tanto inevitável não pensar em Star Wars, principalmente com a história começando a ser contada pela metade, mas o tamanho da trama de Xenosaga e a qualidade da mesma tornam a comparação plausível.

No ano de 2001, o primeiro capítulo da história foi lançado para o Playstation 2 e, posteriormente, a Toei Animation o transpôs quase integralmente para uma série de 12 episódios. Há de se convir que não havia praticamente muito o que mudar. O jogo por si já era muito mais um filme com "dungeons e lutas controladas pelo jogador" do que um RPG tradicional.

Uma menção especial deve ser feita ao trabalho da Toei, principalmente o do diretor Shigeyasu Yamauchi (responsável pelo mais recente longa dos Cavaleiros do Zodiaco). A adaptação de Xenosaga é sem dúvida a mais fiel jamais feita até hoje e isso é um ponto positivo quando o que é adaptado é um Xenosaga da vida. Como colocar um jogo de 40 horas dentro de 12 episódios de 20 minutos? Esse foi o dilema encontrado pela equipe e a solução foi ousada e eficiente. A primeira metade do jogo foi sacrificada em prol de se reproduzir fielmente o final. Para o anime, isso significa que até o episódio 5 a trama é lenta, com vários dialogos fracos criados exclusivamente para o anime assim como cenas boladas apenas para amarrar pontas soltas. Porém a partir do 5o episódio a coisa muda de figura: praticamente todas as cenas são diretamente tiradas do jogo e o resultado é excelente.

Honestamente eu fiquei bastante preocupado ao saber que a animação de Xenosaga seria realizada por um estúdio bastante conhecido por suas obras comerciais (e por um diretor de Cavaleiros do Zodiaco), mas a animação não decepciona de todo. Para uma série de 12 episódios, a qualidade se mostra estranha no começo (parece aqueles desenhos nipo-americanos dos anos 80, como 6 Bionicos ou Thundercats) e o uso de 3D é constrangedor de tão primário. Mas depois de um tempo você se acostuma com isso e no final rejeitar Xenosaga por qualidade de animação seria o mesmo que dizer que Fernando Pessoa é um mau poeta por causa da sua caligrafia. É claro, é profundamente lamentavel que a KOS-MOS não esteja tão graciosa quanto deveria, pois essa palavra parece ter sido inventada justamente para ela e a Toei não deixa de mostrar a sua marca ao inventar diálogos ou mesmo realçar um personagem secundário apenas para aumentar a carga dramática de uma cena. A palavra "clichê" soou como um sino para mim. Existe uma cena chave que descreve perfeitamente a diferença entre o jogo e o anime: no primeiro episódio, quando KOS-MOS desperta de sua camara. No jogo, ela assume os controles da sala e abre a camara, erguendo-se graciosamente como uma vampira pálida de olhos vermelhos de seu caixão, linda, poderosa, absoluta. No anime, ela levanta arrebentando tudo, levando a camara junto como algum Sayajin ensandecido. Percebem a diferença?

Infelizmente essa série não causa a impressão que realmente deveria. Imagine como seria se George Lucas tivesse começado a contar a sua saga com o fraco Episódio I de Star Wars. Pois Xenosaga sofre do mesmo problema. A história é boa, os personagens interessantes (além da própria KOS-MOS, que é um show à parte, a relação de amor, ódio e insanidade entre Junior, Albedo e Gaignum é bastante interessante), mas passaria facilmente como "só mais um anime" se você não tiver noção do potencial de Xenosaga.

Resumindo, Xenosaga é bom, é interessante, mas não genial como deveria, e se você continuar ligado na sequência (que espera-se que seja feita), será brindado com uma das melhores tramas dos últimos tempos que essa "ópera espacial à la Star Wars" desencadeia. Por favor, não me entendam errado: Xenosaga ainda é um anime bem acima da média e vale a pena ser conferido. Mas a Xenosaga em si, toda a trama, tinha (e tem ainda) potencial para ser mais, muito mais.

Honestamente, o que eu recomendo é que você primeiro jogue Xenogears para Playstation e depois assista ao anime (e se puder jogar o Xenosaga - Episode I do Playstation 2, melhor). Aí, sim, assistir a esse anime será uma grande e imperdível experiência para você, pois somente quem acompanha a série de jogos terá boas chances de aproveitar todo potencial esse anime (não que seja totalmente "ingostável" para quem nunca assistiu, nada disso), e essas pessoas provavelmente estarão dispostas a ignorar pequenos defeitos no anime e liberdades tomadas na adaptação, que ficaram perfeitamente cabíveis e apreciar plenamente este primeiro naco da batalha cósmica de proporções divinas.



Como ultimo comentário eu gostaria de avisar aos puristas de plantão para prestar atenção no cara atrás da plaquinha da padaria na fundação Kukai: lembraram até dele e os cenários do jogo são reproduzidos fielmente. Além disso o anime envolve elementos do episódio II e do próprio Xenogears, como uma espécie de bônus.

Não é bom quando as adaptações são feitas por quem realmente gosta da obra original?

"You shall as be gods"


Cilon Mello