quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Gauche The Cellist (Movie)

OBS: Resenha publicada originalmente no Animehaus em 13/11/2009

Alternativos: Serohiki no Goshu, Goshu the Cellist
Ano: 1982
Diretor: Isao Takahata
Estúdio: OH Production
País: Japão
Episódios: 1
Duração: 70 min
Gênero: Drama / Musical / Fantasia



Frequentando um fórum de downloads na net, achei um filme intrigante e teoricamente do Studio Ghibli. Datava de 1982, e eu nunca tinha ouvido falar deste filme, nem mesmo em sites especializados ou na Wikipedia. Embora o traço lembrasse bastante as obras do estúdio, com certeza tinha sido feito antes do mesmo ser fundado, o que viria a acontecer só em 1985. Na verdade o filme foi feito pelo estúdio "Oh! Productions" e gastou seis anos pra ficar pronto. O que o leva a ser considerado um filme pré-Ghibli é que seu diretor e responsável pela adaptação do roteiro é ninguém menos que Isao Takahata, responsável por alguns dos melhores filmes do estúdio.

Uma coisa que atrapalha e muito os fãs de animação são os diversas nomes pelo qual uma mesma obra é conhecida. Nomes ingleses costumam ser os mais conhecidos, e adaptações e modificações no nome de personagens baseados na forma de falar são comuns. Quem assistiu a Death Note e leu o mangá sabe que o nome do personagem principal de Raito mudou para Light, entre vários outros exemplos. Neste filme, o personagem é conhecido tanto como Gauche como Goshu. Manterei Gauche, por ser este o som do nome do personagem principal. E fica aí a dica do nome duplo pra quem quiser procurar mais informações e não ficar perdido.

Terminando os devaneios, Gauche o Violoncelista foi adaptado de um famoso poema japonês de autoria de Kenji Miyazawa. Um dos empecílhos para a produção eram justamente os fãs mais entusiastas, que não gostavam da idéia de ver uma de suas obras prediletas adaptadas. Mas o anime foi, merecidamente, um sucesso de crítica e público.

Os cenários são todos bucólicos, mostrando um Japão rural que é comum nas obras do Ghibli e difícil de imaginar nos dias de hoje. O bucolismo realmente é um dos pilares do filme, com uma representação forte da natureza e de um estilo de vida simples. Os personagens são bem coloridos e bem simplificados, parecendo mal acabados mesmo. As sombras são mal-feitas, mas as expressões faciais são boas e conseguem passar bem seus sentimentos. Os cenários são completamente diferentes dos personagens, com tons pastéis e sem nenhuma interação. São cenas bonitas, mas paradas, que parecem ter sido desenhadas com giz de cera ou aquarela. O resultado é pobre, mas harmonioso, com poucas cenas que se destacariam sem a trilha sonora.


O que mais atrapalha a parte técnica é a falta de sincronia entre as cenas de close em Gauche tocando seu violoncelo e a música em si. Tudo bem que era uma produção independente, mas essa sincronia é essencial em uma animação do estilo. Se Walt Disney já conseguia sincronia perfeita em seus curtas desde o final dos anos 20 e início dos anos 30, é imperdoável que um filme de 1982 consiga resultados tão pobres. Se não tinham dinheiro nem tempo para uma boa sincronia, que criassem cenas alternativas. Ver Gauche com seus dedos encostando lentamente no violoncelo chega a desanimar.

O roteiro tem realmente ares líricos. As repetições (como os animais que chegam cada um em uma noite) e as mudanças abruptas de temperamento são bem típicas de poemas, e foram muito bem transportadas para as telas. Não encontrei o poema pra ler na internet: apesar do autor ter morrido há um bom tempo e de suas obras terem caído em domínio público, só consegui encontrá-lo no original em japonês. Por isso não posso falar de uma suposta fidelidade do roteiro, mas ele se desenvolve muito bem. A curta duração (cerca de uma hora) impede o filme de ficar chato e maçante, e a música contribui para empolgar. Os temas são simplistas, parecidos com fábulas, e os personagens muitas vezes parecem estar encenando uma peça para o espectador. Não que isto seja algo ruim, pois o carisma dos personagens realmente é gigante.

Gauche toca em uma pequena orquestra, quando o cinema ainda era mudo e essas bandinhas faziam a trilha sonora. Mas ele não é um bom violoncelista, e frequentemente o maestro chama sua atenção. Animais começam então a aparecer em sua casa, um por noite, e pedindo favores. Contar o que pedem é de certa forma um "spoiler", então me limitarei a citar os animais: um gato, um cuco, um guaxinim e uma família de ratos. Todos eles conversam com o protagonista, e são muito simpáticos. Com eles, Gauche aprende pequenas lições, noite após noite.

A parte musical é muito boa. Tenho alguns CDs de música clássica, mas não entendo nada de música. Posso garantir que são muito belas, gostosas de se escutar e casam muito bem com o filme. São músicas famosas, de grandes e aclamados compositores. É o tipo de anime que, ao acabarmos de se assistir, vamos logo procurar a OST. Os efeitos sonoros são bem executádos, fora o "cuco" do cuco, que por ele falar normalmente, ficou muito esquisito. Mas os barulhos de chuva e respingos foram perfeitamente reproduzidos. A dublagem é muito boa e inspirada também, indo do trivial ao melodramático e transmitindo perfeitamente as emoções dos personagens. Fugindo completamente do padrão do Ghibli feito por Joe Hisaishi, e tão bom quanto.



Gauche The Cellist não é tão bom quanto os filmes do Ghibli. Tem alguns defeitos, embora nesse caso a soma dos fatores seja maior que o produto. O filme tem um grande carisma, e foge bastante dos padrões de roteiro. Vale a pena ver para todos, embora os fãs ardorosos do Isao Takahata (como eu) possam se decepcionar um pouco.

Heider Carlos