terça-feira, 22 de novembro de 2016

Canaan (TV)

OBS: Resenha publicada originalmente no Animehaus em 24/02/2012

Ano: 2009
Diretor: Masahiro Ando
Estúdio: P.A. Works
País: Japão
Episódios: 13
Duração: 24 min
Gênero: Ação / Mistério



Quantas vezes não se ouviram reclamações sobre adaptações para o cinema que, na opinião de muitos, se mostraram infiéis à sua obra de origem, como adaptações de obras literárias e de peças de teatro? Mas como opinaríamos sobre uma adaptação de um jogo de videogame para uma animação?

O anime é baseado no jogo de videogame "428: Fusa SaretaShibuya de", que inclusive possui o mesmo nome no original japonês, e não é um jogo comum. Diferentemente de "Galerians", que também se tornou um anime após seu grande sucesso, e também do grande "Tomb Raider", este game nem sequer é baseado em animação 3D. Ele faz parte do gênero "visual novel", em que a partir de uma narrativa com fotografias e vídeos reais, o jogador precisa tomar decisões para seguir com a história. O jogo recebeu nota máxima numa rigorosa revista japonesa especializada em games, de nome "Famitsu Weekly", mas infelizmente não foi possível ter contato direto com jogo. Da pesquisa realizada, pôde-se perceber que as histórias não são tão próximas assim, com somente alguns personagens coincidentes. A animação, na verdade, se mostrou um passo além da grande história idealizada no jogo.

Gosto de enfatizar como nem sempre uma obra inovadora se torna genial e, também, nem sempre uma obra clichê se torna um lixo. "Canaan" é uma miscelânea de clichês, mas é tão bem construído que impressiona. Não seria pra menos, com a direção de Masahiro Ando que tem em seu currículo animes como: Cowboy Bepop, Neon Genesis Evangelion, Jin-Roh, FullmetalAlchemist, Ghost in the Shell, Metropolis, é de se imaginar que o anime não deve ser como tantos outros no mercado. Mas como tudo pode acontecer, nem sempre uma boa direção pode resultar num bom anime. No fim das contas, talvez somente neste aspecto esta animação não fuja a regra: uma boa direção resultou num bom anime.

Recorrentemente, pode-se ver em diversos textos publicados no site a preocupação de muitos de nós, resenhistas, com a originalidade do anime apresentado. Sabemos que os animes se alimentam muito de fórmulas prontas de todos os tipos, e que certamente veremos poderes, uma apelação sensual nas personagens femininas, algum personagem ingênuo ou batalhas das mais diversas maneiras, logicamente isso ocorre na grande parte do animes, e é exatamente este o caso de Canaan. Mas digamos que todos estes clichês não sejam notados ,e no fim das contas, eles são o que menos importam.

Canaan, protagonista do anime, é uma espécie de assassina de aluguel que trabalha para uma organização secreta. Ao ser acionada para uma missão, Canaan encontra uma amiga do passado chamada Maria Oosawa, uma jornalista fotográfica que está com seu colega de trabalho, à procura de uma reportagem num grande festival chinês. Este encontro aparentemente fortuito, na verdade, é proposital: Maria Oosawa está sendo perseguida por uma organização chamada Cobra, que tenta matá-la, mas eis que Canaan chega e a salva.

Como não poderia faltar, Canaan possui habilidades especiais, como é de praxe em muitos animes, mas neste há um diferencial. O poder de Canaan é uma espécie de alteração genética aliada a uma condição neurológica real chamada de sinestesia. Para muitos, isso é só uma figura de linguagem, na qual damos diferentes sensações para sentidos diferentes, como ocorre na expressão, “vermelho ardente”, mas como isso seria? O indivíduo sinestésico vê sons, ouve cheiros, sente sabor de palavras, e como é o caso de Canaan, vê cor nas pessoas, de modo que consegue identificar seus sentimentos.


Logicamente, a questão é muito mais complexa. É de se imaginar que o sinestésico consiga ver cor nas pessoas, mas saber suas emoções seria um passo que transcende a verdadeira realidade. Pensando com detalhes, encontrei argumentos que podem até ser plausíveis, referindo-se a realidade e que fariam muito sentido com a habilidade de Canaan, e talvez por isso tenha ficado tão encantado com este aspecto do anime. Para evitar um aprofundamento muito grande na história que talvez culmine em algum "spoiler", é como se a personagem fosse alguém que não consegue ter sentimentos (por exemplo, a compaixão pelos outros), tudo graças a essa sua habilidade de extrapolação dos sentidos que lhe fez perder uma espécie de sensibilidade emocional. E é isto que me parece ser uma sacada genial da animação, esse paradoxo da protagonista, pois mesmo sendo permeada por diversos sentidos e sensações, Canaan não sente, não entende as emoções, senão pelas cores. Algo parecido, a grosso modo, com a Síndrome de Asperger ou o Autismo.

Fugindo um pouco da história e da construção dos personagens, Canaan também dá banho em técnica. Quem assistiu Elfen Lied pode realmente se espantar, se não é um engano de minha parte, ao ver como os roteiros são absurdamente semelhantes. A forma como a história é cadenciada em ambos os animes é muito parecida, onde há um desconhecimento total do que está acontecendo nos primeiros episódios, e depois de alguns, tudo vai se encaixando, criando um clímax, respondendo às questões pouco a pouco e produzindo uma grande história, sem, é claro, excesso de didatismo. Vi poucos animes me eletrizarem tanto quanto Canaan e suas cenas de ação, a qualidade é impressionante, especialmente num dos seus episódios, onde as imagens e a trilha criam uma tensão que dificilmente se vê bem executada em animes. É notório como há toda uma equipe experiente que domina uma linguagem e uma técnica audiovisual que atrai o espectador. Ressalto isso pois, à primeira vista, Canaan não é interessante, os clichês em seus primeiros momentos pipocam na tela. Mas com o decorrer do enredo, a animação começa a tomar forma e instigar o espectador, a ponto de ter aquele gostinho de quero mais a todo o momento e ao final de cada um dos 13 episódios da série.

Se fosse só isso já estaria bom demais, mas apesar das fórmulas clichês, a história também tem seu grande momento de originalidade. Como em Speed Grapher, no qual o personagem principal se vê perseguido pela máfia japonesa, mas mais ainda como em Higashi no Eden, no qual se encontram problemas internacionais e nacionais, voltados especialmente pra nossa realidade social contemporânea, há também um problema político internacional tratado de forma inteligente e conectado com a realidade mundial atual em Canaan. Como acontece em Higashi no Eden, há também o foco voltado para o país da Casa Branca e toda uma teoria da conspiração que de fato ocorre e se realiza no anime, em que o terrorismo e as armas químicas são temas centrais.

Enfim, Canaan não possui só uma protagonista em paradoxo, mas a própria animação é paradoxal, especificamente em sua produção, pois além de se alimentar de todo um clichê animesco, tem ainda grandes insights de originalidade florescendo destas estruturas e formas tradicionais. Os personagens são projetados em formatos clichês, mas elaborados com características profundas, ou melhor, os formatos clichês se tornam molde no qual é inserido uma essência profunda. Maria Oosawa, por exemplo, é tola, ingênua, exageradamente alegre, como muitas personagens de outros animes, mas em certo momento do enredo, se revela uma personagem pouco superficial, criando problemáticas sobre si e sobre o mundo. A história também: a partir de um molde recorrente, brota uma ideia única e, de certa maneira, com uma criticidade que dificilmente se vê abordada nos animes. Desta história podemos ver, tristemente e mais uma vez, o trauma japonês latejando em tudo que é fabricado culturalmente no Japão. A temática do conflito internacional entre os Estados Unidos e o Japão é ainda uma cicatriz saliente e, com todos os incidentes que surgem, podemos ver cada vez com mais intensidade o sofrimento dos japoneses e de como isto se reflete na arte. Com Canaan também não foi diferente. Camuflada, ou não, a história parece revelar o nó que se faz na garganta dos japoneses ao pensar na verdadeira história e ao tentar retratá-la sobre outro aspecto.



Canaan tem realmente seu valor e deve realmente ser assistida, mas apesar de todos os elogios rasgados que coloco aqui, ainda assim falta magia dentro da animação. Canaan é um anime bem feito demais, muito redondo. Apesar dos lapsos de originalidade, não são eles responsáveis para que a obra seja genial. Pois como já disse, da mesma forma que nem sempre algo clichê se torna ruim, também nem sempre algo inovador se torna um obra prima. Assim, também, nem sempre uma obra muito boa e bem feita se torna genial.


Vinícius Chamiço