Ano: 2009
Diretor: Max Lang, Jakob Schuh
Estúdio: Magic Light Pictures / Studio Soi
País: Inglaterra
Episódios: 1
Duração: 27 min
Gênero: Aventura / Fantasia
Um dos concorrentes a Melhor Curta-Metragem de Animação no Oscar de 2011, a animação “O Grúfalo” infelizmente parece não ter sensibilizado a Academia. Uma obra-prima finalizada em 2009 e televisionada primeiramente pela BBC de Londres no mesmo ano, teve uma segunda transmissão pela BBC americana no Natal de 2010 e foi assistida por 8,8 milhões de pessoas. Seguindo os mesmos moldes da computação gráfica das famosas animações da DreamWorks e da Pixar, a animação britânica infelizmente saiu derrotada: mas por que?
Um ratinho astuto, que nos remete a fábulas contadas ao pé-da-cama por nossos pais, parece ser aquele mesmo que assustara até mesmo um elefante numa fábula que não me recordo o nome, mas como não ver o “little-brown-mouse” com estes olhos? Baseada exatamente numa fábula homônima escrita pela autora de livros infantis Julia Donaldson, “O Grúfalo” chegou a vender mais de 10,5 milhões de cópias, além de receber diversos prêmios de literatura infantil. A história, narrada por uma mamãe esquilo que pretende tranqüilizar seus filhos com sua história, a pedido dos próprios, descreve a empreitada do ratinho marrom que se encontra a procura de uma noz para comer. Avistando uma grande árvore de nozes no horizonte, o ratinho se aventura a pegá-las, mas eis que três animais da floresta tentam interromper seu caminho para comê-lo.
A animação, que à primeira vista parecer ser infantilizada, não é. Usando da linguagem das fábulas e das histórias infantis, como a história dos Três Porquinhos, a animação realiza aqueles passos típicos que dão ritmo a história. Vemos na história dos Três Porquinhos os personagens construindo casas, umas seguidas das outras, e nesta mesma seqüência o lobo as destruindo. Também nesta animação, o ratinho se safa de ser comido de uma raposa, depois de uma coruja, e depois de uma cobra, como numa progressão. O diferencial desta animação é a riqueza de detalhes que não se vê numa narrativa tradicional. Além de a animação em si ser responsável por essa riqueza, o texto é mais ainda. Não há uma repetição rígida e pragmática mas, sim, única, em que cada caso é um caso, e graças a este aspecto, o ratinho se mostra ainda mais astuto do que parece ser.
Os traços delicados de “O Grúfalo” impressionam. Dificilmente uma animação computadorizada consegue ser tão detalhista quanto essa. Não só nos gestos e expressões dos personagens, mas também na trilha sonora, na dublagem e na história, a animação se destaca por seu perfeccionismo, e porque não dizer, por sua audácia. O que parecia ser uma produção independente, na verdade, foi uma grande produção do estúdio alemão Studio Soi, juntamente com o estúdio britânico Magic Light Pictures, ambos muito premiados.
Em diversos momentos, me peguei rindo de cenas que, tecnicamente, não deveriam ser engraçadas, mas devido às expressões dos personagens, era inevitável. Certos clichês que se encontram em desenhos animados parecem que, aqui, se encontram num ritmo totalmente diferente. Sabemos que, geralmente, os desenhos seguem numa cadência muita acelerada, jogando com diversas imagens a todo o momento. “O Grúfalo”, não: a animação é de uma paciência e ritmo que não dá nem pra imaginar. O clichê do personagem que se encontra em apuros e engole seco, sua frio e puxa o colarinho da camiseta de tanto nervosismo, na animação é somente um arregalar de olhos muito expressivo e extremamente cômico.
Mas isto também não seria tão fantástico se não fosse a dublagem: é impressionante ver uma animação se destacar tanto por uma dublagem. Acredito que grande parte das pessoas que conhecem um pouco a língua inglesa (ou não) acham muito mais sonoro ou prazeroso de ouvir o sotaque britânico, e na animação, esse sotaque é abusado, e é justamente ele que dá um charme inigualável ao curta. A narração da mamãe esquilo é uma dublagem da grande atriz Helena Bonham Carter, atriz casada com o diretor Tim Burton (Alice no País das Maravilhas - 2010) que atua em vários de seus filmes. Mas a dublagem que merece mesmo destaque é a do ratinho, feita por James Corden, um gordinho que não possui grandes papéis no cinema, mas que é famoso pela sua atuação na série britânica "Gavin & Stacey", que faz morrer de rir com um "timing" inacreditável na dublagem.
Ultimamente ando me impressionando com certas trilhas sonoras, e com “O Grúfalo” não foi diferente. Longe de uma trilha épica como as realizadas pela Disney – como vemos, por exemplo, em "Fantasia" – a animação utiliza-se de uma trilha aparentemente sutil que, de tão harmônica, chega a ser imperceptível. Mas ao ouvi-la com atenção, notamos a delicadeza de sua produção, que entra em coerência com a animação sem cair na obviedade. O que me ocorreu é que ela lembra muito a delicadeza das músicas de Yann Tiersen, músico que teve suas composições na trilha sonora do filme “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain”, em que até mesmo suas músicas parecem colorir o longa, que se utiliza de uma sobreposição das cores verde e vermelho em sua película.
É impressionante como não consigo encontrar erros na animação. “O Grúfalo” é certamente uma pérola, um achado em meio a essas animações computadorizadas que estão cada vez mais tomando conta do mercado cinematográfico. Walter Benjamin, filósofo e crítico literário, escreveu certa vez que com o surgimento do romance e da imprensa, as pessoas começaram a ficar mais pobres de experiências comunicáveis graças a extinção da narração, forma escrita e oral que transmitia experiência sem que essa precisasse dar soluções para os problemas da vida. “O Grúfalo” resgata esse modelo. Partindo das fábulas infantis, a animação consegue trazer uma narração que hoje não é tão lida nem tão apreciada, mas é justamente dela que as crianças retiram uma experiência tal que a constituem como indivíduo. Sem contar que a obra se adequa à época que nos encontramos, sem perder sua essência. Essa idéia de resgatar a fábula é uma cartada de mestre do idealizador da animação. Não quero aqui defender uma forma arcaica ou ultrapassada de história, mas uma animação contemporânea que, sem precisar dar saltos ou piruetas, conseguiu contemporanizar uma obra infantil que hoje parece até anacrônica. Existe uma espécie de pioneirismo na animação que, na verdade, não representa nada de novo, mas que tenta trazer o antigo sem que se encontre anacrônico ou exageradamente adaptado à realidade contemporânea. “O Grúfalo” prova que não é preciso somente encher as animações infantis com imagens aceleradas e frenéticas, com uma linguagem excessivamente contemporanizada, com personagens extremamente excêntricos e exóticos. Basta simplesmente trazer uma linguagem das fábulas na qual animais falam, pensam, choram e sentem fome. Como nós. Já é suficiente.
Se fosse realmente possível definir com somente um adjetivo a grandiosidade de “O Grúfalo”, chamá-lo-ia de "delicado". Só esta palavra talvez consiga abarcar o prazer de assistir a essa animação tão carismática e tocante, e é por isso que recomendo que todos assistam. Talvez para muitos ela pareça infantil, mas acho difícil alguém não entrar no espírito nostálgico da animação ou não se sentir, por um instante pelo menos, tocado, pois independentemente de qualquer intencionalidade de sua produção, é impossível dizer que ela não seja bela.
Vinícius Chamiço