Alternativos: Minna no Uta "Egao"; Smile
Ano: 2003
Diretor: Makoto Shinkai
Estúdio: M. Shinkai / CW
País: Japão
Episódios: 1
Duração: 2 min
Gênero: Drama / Romance
Não sei se aqui me parece justo julgar uma obra que possui praticamente dois minutos de duração, e se encontra mais no âmbito de um videoclipe do que de um OVA, mas acredito que por certos detalhes a serem ressaltados, o trabalho deve ser feito. Alias, prefiro tratar este texto mais como comentário do que qualquer outra coisa.
Gosto de ler reviews e sinopses sobre certas animações antes mesmo de assisti-los, e a primeira coisa que me veio a cabeça ao ler tais textos sobre “Egao” foi sua imensa semelhança com “Kanojo to Kanojo no Neko” (She and Her Cat). É evidente que ambas as animações sejam tecnicamente semelhantes, ou seja, as duas não duram nem cinco minutos de duração e são levadas suavemente por uma trilha sonora, mas suas semelhanças mais gritantes se encontram no enredo.
Em “She and Her Cat”, vemos uma protagonista feminina sendo vista sobre a ótica de um gato, Chobi: este narra suas emoções acerca das mais triviais e cotidianas atividades de sua dona, uma paixão que ultrapassa grandes barreiras e que, em certa medida, é recíproca. Em certo momento, em meio a essas atividades rotineiras, vemos a dona chorar incessantemente ao telefone, o que nos leva a imaginar que ela tem outra paixão. Em “Egao”, “O Sorriso”, ocorre praticamente o mesmo, a protagonista possui também um bichinho de estimação, mas este agora é um hamster, que a acompanha em todas as atividades, mas é ele que a faz recordar-se de outra pessoa amada que também não se vê retratada.
A temática que circunda ambas as obras é a de um amor não correspondido: da mesma forma em que “Egao”, a dona do hamster se lembra de seu amado ao vê-lo brincando, a protagonista de “She and Her Cat” faz uma ligação e se vê desiludida, chateada ou não correspondida, mesmo que isso não seja explícito, na presença de seu gato. Mas o que impressiona é como vemos retratado em ambas as animações essa relação recíproca de amor entre dona e seu bichinho de estimação. Por mais que na vida real não víssemos um gato emitir suas reflexões assim todo dia, vemos, através de seus atos, demonstrações de afeto. Como ocorre em “Egao”. Na animação o animal não possui o poder de falar, como em “She and Her Cat”, mas transmite de maneira implícita suas emoções quando vê sua dona entristecer-se com alguma coisa que ele parece não compreender. Da mesma forma que, simbolicamente, vemos o hamster diversas vezes correndo sobre o deserto imaginando tal situação, pois, na verdade, ele se encontra correndo numa rodinha para hamster em sua gaiola.
Parecemos ver histórias praticamente iguais, apresentadas em linguagens diferentes. Everton Campos, colaborador aqui da Animehaus, destaca muito bem na resenha de “She and Her Cat” como obras de Makoto Shinkai são cercadas dessa fotografia impecável que transparece as emoções de um silêncio que envolve todo o OVA, apesar da belíssima trilha. Em “Egao”, sendo uma linguagem diferente, não vemos uma fotografia apurada, mas vemos um traço na animação, delicado, “menininha”, e uma trilha sonora cantada, conduzindo os pensamentos do animalzinho, apoiada numa melodia não tão clássica ou entristecida como em “She and Her Cat”, mas que nem por isso deixa de ser menos poética ou menos densa que a última.
Ambas as obras são de Makoto Shinkai. Não sei se é de se causar espanto aos leitores, mas eu não havia percebido isso até procurar saber quem eram os diretores, e foi aí então que confirmei minhas aproximações. Até porque o diretor de animação não é Makoto mas, sim, Ushio Takasawa, o que não me levou a estabelecer semelhanças nos traços entre uma e outra obra. Certamente deve ser do gosto de Makoto trabalhar tal temática, esta relação entre bichinho de estimação e dono, de como aquele permanece fiel e amante ao dono, enquanto aqueles outros que deveriam ser não o fazem.
É impressionante como as obras se complementam sobre óticas e linguagens totalmente diferentes. Em “She and Her cat”, vemos a dona de Chobi dizer ao chorar que precisava de alguém, mas a pergunta é, em certa medida, retórica: ela sabe que tem alguém, o gato, e este percebe que ela não está bem, estando preparado para ajudá-la. Assim, em ambas as obras, vemos um “triângulo amoroso”, o gato fala de um amor pela dona que é recíproco, mas esta, também, é apaixonada por outro, e isto vemos através das palavras de Chobi e através das imagens. Em “Egao”, é fantástico como tudo isso se mistura: através da trilha podemos interpretar a voz do hamster e a voz da dona se misturando, ou seja, podemos ver que o eu lírico presente na canção da animação pode ser tanto do hamster direcionando-se à dona, como da dona se direcionando para o hamster, e mais ainda da dona se direcionando para com seu outro amado que não aparece.
Não sei se isto me parece um bom exemplo, mas há uma música de Chico Buarque de Hollanda chamada “Você, Você”, recomendo que ouçam. Nesta ouvimos o eu lírico dizendo os seguintes versos:
“Seu beijo nos meus olhos, seus pés
Que o chão sequer não tocam
A seda a roçar no quarto escuro
E a réstia sob a porta
Onde é que você some?
Que horas você volta?
[...]
Me sopre novamente as canções
Com que você me engana
Que blusa você, com seu cheiro
Deixou na minha cama?
Você, quando não dorme
Quem é que você chama?”
Podemos ver através destes versos uma nítida relação de amor, como ocorre em ambas as animações de Makoto, mas acredito que se ouvíssemos somente a trilha sonora de “Egao” e não víssemos a animação, nos confundiríamos, da mesma forma que se só ouvíssemos as palavras de Chobi, o gato, e não víssemos a animação de “She and Her Cat”, não repararíamos que se passava de uma relação diferente, e não, uma relação normal de amor, e é pois também como ocorre com “Você, Você” de Chico Buarque. O eu lírico que anseia pela volta de sua amada, e que indaga sobre o cheiro de sua blusa, é um bebê que aguarda pela volta da mãe, um bebê que não vê sua mãe sequer tocar os pés no chão, e como o gato e o hamster, possui uma ingenuidade que o faz amar incondicionalmente alguém que já ama outra pessoa.
Com certeza, Makoto Shinkai domina com maestria a linguagem audiovisual. O simples fato de demonstrar diversos sentimentos sem dizer, ou de dar margem para diversas interpretações com uma simples canção, demonstram a qualidade das obras do diretor, e para o espectador, estas se mostram profundas e delicadas, sem precisar de muitos minutos para serem ditas. Vemos que se desvela em todos estes exemplos, e principalmente em “Egao”, ponto de partida de todos estes diálogos, as diferentes perspectivas de amor. Mostrando num mesmo contexto as diversas de formas de amar e de ser amado.
Vinícius Chamiço