Alternativos: Evangelion New Theatrical Edition: Q (Quickening)
Ano: 2013
Diretor: Hideaki Anno
Estúdio: Studio Khara / Gainax
País: Japão
Episódios: 1
Duração: 90 min
Gênero: Drama / Mecha / Sci-Fi
Quando Hideaki Anno anunciou que estaria produzindo em seu novo estúdio pessoal (Khara) uma série de longa-metragens que recontam a história de Neon Genesis Evangelion, os fãs ficaram receosos. Todos pensarem que seria apenas um remake compacto em uma série de filmes, apenas. O primeiro da série Rebuild of Evangelion (ou, em seu outro nome, New Theatrical Edition) foi basicamente isso, porém com algumas notáveis modificações no enredo (agora todo mundo sabe que Adão é na verdade Lilith desde o princípio).
Já o segundo filme, Evangelion 2.22: You Can[not] Advance, foi um estouro completo. Mudando muitos pontos chave do enredo que todos os fãs achavam que já conheciam, 2.22 conseguiu se mostrar como sendo uma ótima e inusitada revisão, com infinitas melhorias que agradaram à gregos e troianos. Um Shinji menos reclamão e mais heroico (porém sem perder seus traços mais tímidos originais) foi um dos grandes motivos para isso, além de os personagens se resolverem com seus fantasmas psicológicos de maneira muito mais madura e bem feita, entre outras coisas.
O final do segundo filme foi um cliff-hanger extremamente empolgante, com a chegada de Kaworu Nagisa dizendo que “Desta vez, vou te fazer feliz” para Shinji. “Desta vez!?” A teoria de que o universo de Rebuild é na verdade um time loop com a série original tinha mais uma pista. O preview para o próximo filme se mostrava como sendo incrível. Os fãs de todo o mundo estavam ansiosos por qual direção inédita e, quem sabe, melhor que a série original a história iria tomar. Pois bem, 3 anos de espera depois e ganhamos... isso.
Bem, vamos por partes, a começar pela sinopse: Após o final de 2.22 em que Shinji salva Rei da morte certa nas mãos de um Anjo, o nosso jovem agora mais destemido acorda repentinamente em um lugar que não reconhece, com uma coleira estranha em seu pescoço. Andando pela instalação, Shinji nota que Misato está de roupa nova e comandando um monte de gente que ele não conhece. Para completar, ao olhar pela janela percebe que está em uma espécie de base voadora. Informam a ele que esta nave enorme se chama Wille (baleia em alemão...é, a nave tem a forma de uma baleia gigante) e que esta usa do antigo EVA-01 como fonte de combustível. Além de tudo isso, todos tratam Shinji de maneira extremamente fria, lhe dão quase nenhuma explicação para nada, e Misato ainda diz que ele não deve fazer nada quando se dispõe a ajudar.
Um pouco mais tarde, Ritsuko e Asuka (agora com um tapa-olho, supondo eu por causa dos ferimentos que sofreu no filme anterior) revelam a Shinji que ele tem estado em coma faz 14 anos, e que agora o Wille é uma organização que luta contra a NERV. Shinji, evidentemente confuso, faz infinitas perguntas que são respondidas de maneira vaga, como por exemplo, o que aconteceu com Rei, já que ele se lembra nitidamente de tê-la salvo.
De repente, o EVA-00 aparece e Shinji ouve a voz de Rei em sua cabeça pedindo para que venha com ela. Já que ninguém está lhe tratando bem ou explicando a situação, Shinji fica de saco cheio e decide partir com ela, mesmo que todos o avisem que Rei já morreu. Chegando na agora destruída base da NERV, Shinji é ordenado por seu pai a pilotar uma nova unidade EVA e conhece um novo piloto: Kaworu Nagisa.
Essa é a premissa básica do enredo, que evidentemente o leva a uma direção completamente nova. Pena que esse novo caminho é cheio de espinhos. Ou melhor, buracos. Muitos buracos.
Para começo de conversa, o Wille. No estado em que o mundo se encontra (completamente destruído devido a uma revelação que não me cabe spoilear aqui), como diabos Misato e companhia conseguiram construir uma baleia voadora? Não sei, e nem ao menos tocam no assunto durante toda a narrativa. Quando Shinji acorda, ninguém quer saber de nem ao menos lhe dar o contexto básico do que está acontecendo. Todos o tratam como se fosse um bandido, e a razão para isso (revelada no meio do filme) é no mínimo estúpida, considerando as circunstâncias. Parece que, nestes 14 anos de coma, Misato e todo o elenco do Wille escreveram e estudaram extensivamente o manual de “Como não lidar com Shinji Ikari”. O tratam de maneira tão esdrúxula que é quase impossível acreditar na cara de espanto que fazem quando Shinji decide cair fora. Sua fuga poderia ter sido completamente evitada caso os personagens tivessem se dado ao trabalho de ter uma conversa de no máximo 10 minutos com o rapaz, explicando o que aconteceu, por que aconteceu e por que ele não deve fazer nada. Mas isso não parece ter passado pela cabeça de nenhum deles no momento. Suponho que manter o moleque com tendências depressivas e propenso a ataques de nervos preso em uma baleia gigante sem informação nenhuma, ao mesmo tempo em que é tratado como capacho, foi uma ideia que pareceu mais viável no momento.
“Mas e quando ele chega a NERV? Melhora?”. Não muito. Toda a NERV está completamente deserta exceto por Shinji, Kaworu, Rei, Gendou e Fuyutsuki. Como que a organização ainda consegue desenvolver e cuidar da manutenção de um EVA? De onde vem a comida depois do apocalipse? Boas perguntas estas. Tomara que você não queira respostas. Vamos ter apenas que supor que a NERV atual é completamente automatizada, sem que vejamos este artifício na prática.
Enfim, grande parte do filme se foca na relação entre Shinji e Kaworu, o que honestamente é um dos melhores pontos da obra. Diferentemente da série de TV, eles tem um pouco mais de tempo para se conhecer e interagir um com o outro, o que torna sua relação muito mais credível e até interessante de se ver (e sim, ainda temos alguns toques sugestivos de tensão sexual entre os dois aqui e ali). Shinji, jogado em um mundo no qual não pode mais confiar em literalmente ninguém, acaba tratando Kaworu como sendo uma espécie de tutor, e este lhe responde com respeito ao mesmo tempo em que explicando o quanto admira sua personalidade (diferentemente de todo o resto do elenco... e fãs).
Mas, como eu disse, esse é o ponto forte do filme no que toca ao enredo. O restante, minha nossa, que bagunça. Kaworu, como sempre, gosta de falar em enigmas e sempre implícita que sabe mais do que fala. Até aí tudo bem, até por que essa é a maior e mais carismática característica do personagem. O problema é que não basta ele ser misterioso, mas o fato de que Shinji não questiona nada do que lhe é dito. Ao decorrer do filme, Kaworu solta frases como “Eles falharam em virar Infinity” ou “Os portões de Gurr estão se abrindo” e Shinji nem ao menos coça a cabeça se perguntando do que diabos ele está falando. O que deveria acontecer normalmente seria ele dizer “Mas, cara, o que são esses Portões de Gurr?” ou “Do que você está falando?”. Mas não, ele fica quieto como quem nem está ouvindo, seguindo as instruções de Kaworu sem nenhum problema.
Aliás, você gostava de como o Shinji estava se desenvolvendo até o segundo filme? Bem, azar o seu. Apesar de nesta vez em específico ser TOTALMENTE justificável, Shinji volta ao antigo hábito de ter ataques de nervos, reclamar de tudo, teimosia em não querer fazer nada para prosseguir com a vida e (essa é um clássico) ficar deitado em posição fetal de vez em quando. Parece que o propósito de todo o roteiro é chutar as bolas de nosso protagonista mais proativo e que todo mundo gosta até que ele desista e se torne o antigo Shinji.
Ah, tem também os outros personagens, que quase nunca aparecem. Temos alguns que são inéditos, mas eles não fazem literalmente nada. Asuka e Mari são as únicas que tem um pouco mais de espaço fora Shinji e Kaworu, mas elas só aparecem nas cenas de ação (que são ótimas, por sinal). Aliás, lembra da Mari, a nova pilota que apareceu tanto nas propagandas? No segundo filme, ela aparece e nos dá uma ótima cena de luta. Nesse aqui, ela nos dá uma ótima cena de luta de novo... E só. O motivo de ela existir no contexto da história ainda é um mistério, se é que ela precisa estar lá pra começo de conversa.
Se tem algo que me impede de dar apenas uma estrela para essa obra é o visual. Nesses anos de espera, suponho que tenha havido tempo de sobra para se trabalhar na animação, por que ela está praticamente impecável. Cada cenário, personagem e movimento são extremamente detalhados, fluidos e coloridos, fazendo com que ver o filme seja no mínimo um colírio para os olhos. Como pequena falha, ressalto apenas o fato de que os EVAs exageram um pouco no efeito CG de vez em quando, se tornando nitidamente modelos em 3D não muito bem integrados ao resto da animação.
A trilha sonora, que antes tinha várias versões remixadas incríveis da série original, continua ótima. Agora com várias músicas inéditas, nenhuma deixa a peteca cair e dão um ótimo clima principalmente para as cenas de ação, além de o encerramento de Utada Hikaru “Sakura Nagashi” ser agradável aos ouvidos. Sinto um pouco de falta do remix da trilha original, mas nada que estrague o pacote de fato.
Palavras não podem descrever a frustração que senti assistindo aos 90 minutos de Evangelion 3.33: YouCan[not] Redo. Estava extremamente empolgado para ver para que lado ia a história depois do incrível final de 2.22. Mas o que eu e todos os fãs recebemos foi uma confusa e bagunçada tentativa de alavancar o enredo para novas alturas. Não reclamo de terem tentado algo novo, muito pelo contrário, eu estava contando com isso. Também não reclamo de terem feito um arco mais dramático e depressivo, eu também contava que fizessem isso para que a série tomasse um tom mais sério para arar terreno a uma eventual resolução (já que Anno disse anos atrás no início do projeto que pretendia dar um final feliz a essa revisão de Evangelion). Reclamo de o resultado final, apesar das aparentes boas intenções, ter dado a impressão de ser uma ideia mal formulada que foi implantada às pressas. Já existiam boatos de o atraso do lançamento do filme ter sido devido a uma mudança repentina na proposta do projeto. Se levarmos em consideração o fato de que absolutamente NENHUMA das cenas que aparecem no preview de 2.22 mostram a cara no filme, é bem capaz de ter sido esse o caso.
Bem, falta apenas mais um filme para que a série Rebuild seja finalizada. Será que conseguirão arrumar toda a bagunça feita aqui? Tenho minhas dúvidas. Espero francamente que sim, mas o estrago de 3.33 foi grande. Pessoalmente falando, não consigo imaginar que rumo o enredo pode tomar daqui para frente, pelo menos não de maneira que fique bom.
Lucas Funchal