Ano: 2011
Diretor: Yukihiro Miyamoto
Estúdio: SHAFT
País: Japão
Episódios: 12
Duração: 24 min
Gênero: Ação / Drama / Magia / Suspense
Quando eu vi o anúncio do anime, eu estranhei logo. O que será que os malucos do Shaft queriam fazendo um anime de mahou shoujo? Fiquei curioso, mas não planejava assistir até ler os comentários sobre esta série que foi uma das mais cultuadas no começo de 2011.
O anime começa mostrando Madoka Kaname assistindo uma garota lutar contra um misterioso inimigo gigante em uma cidade que está sendo destruída. Madoka fica preocupada e, neste momento, um bichinho esquisito que estava ao seu lado oferece a ela o poder para ajudar a garota misteriosa, se ela assinar um contrato com ele. Ao fim da sequencia, Madoka acorda. Depois, já na escola, uma nova aluna é transferida para a turma de Madoka. Para a surpresa dela, a nova aluna, Akemi Homura, é idêntica à menina que aparecera em seu sonho. Após a aula, Madoka vai ao shopping com suas amigas. De repente, ela escuta um pedido de ajuda e decide descobrir o que é, no que é acompanhada por sua amiga Sayaka Miki. Elas encontram Kyubei, o bichinho esquisito do sonho de Madoka sendo perseguido pela Homura, que avisa a elas para ficarem longe dele. Ao ajudarem Kyubei, as meninas são transportadas para um espaço estranho e são atacadas por monstros. Neste momento, Mami Tomoe aparece para resgatá-las. Após a luta, Kyubei explica que aquele espaço estranho é o labirinto de uma bruxa, ser maligno que ataca os seres humanos, e que Mami é uma garota mágica (mahou shoujo), que usa poderes mágicos para lutar contras as bruxas. É neste momento que Kyubei oferece a elas a oportunidade de realizar qualquer desejo que elas tenham, se elas em troca decidirem se tornar garotas mágicas e lutar contra as bruxas. Mas vocês sabem como diz o ditado: cuidado com o que você deseja...
Apesar de ser um anime de mahou shoujo, Madoka é apresentado como uma desconstrução do gênero. Para quem não sabe, uma desconstrução é um nome bonito para quando se usa um gênero ou estilo em uma obra, mas se mudam ou pervertem algumas características do gênero ou estilo. No caso de Madoka, eles fizeram um anime de mahou shoujo com um clima mais sério e sombrio. Em Madoka, os inimigos, no caso as bruxas, que são entidades criadas a partir do acúmulo de emoções humanas negativas, especialmente o pesar, são uma ameaça real à vida das pessoas. As vítimas, pessoas tomadas por algum sentimento negativo, recebem uma marca, chamada de beijo da bruxa, e são compelidas a cometer suicídio ou sofrem acidentes. Isso é bem diferente da maioria dos animes do tipo, nos quais os inimigos atacam diretamente as pessoas e dificilmente fazem algo que não possa ser revertido quando o monstro é derrotado. Além disso, o anime deixa bem claro que as batalhas das garotas mágicas contra as bruxas e seus servos, chamados de familiares, é perigosa e pode inclusive ser mortal. Por este motivo, a decisão de se tornar uma mahou shoujo em Madoka é encarada com bem mais seriedade que em outros animes do gênero, já que mesmo tendo qualquer desejo atendido como recompensa, a menina terá que arriscar sua vida diariamente na luta contra as bruxas. Por fim, em Madoka não existe aquele negócio de o amor e a amizade criarem poderes mágicos para salvar o dia e nem existe aquele aumento de poder criado pela força de vontade em momentos de perigo.
Tecnicamente, o anime é impecável. A animação, os cenários e o uso de cores são ótimos. Mas o verdadeiro destaque são os psicodélicos labirintos das bruxas, que são um tipo de mini dimensão paralela onde elas se escondem. Cada labirinto, além de ter um visual interessante, tem um tema que representa os sentimentos negativos que geraram a bruxa e a personalidade da mesma. Além disso, as próprias bruxas e seus familiares têm designs bem inspirados. É notável a atenção a detalhes tanto na criação dos cenários, cheios de referências ao tema da bruxa, quanto na criação das bruxas, que receberam, cada uma, uma carta e várias informações no site oficial do anime, em uma estratégia que lembra a do seriado Lost, que era cheio de referências e mensagens escondidas, os famosos "easter-eggs". A minha única reclamação nesta parte é em relação ao traço. Um anime tão bem feito merecia um traço mais complexo e bonito, apesar de o traço simples ser usado para aumentar a sensação de assistir um anime de mahou shoujo clássico.
A dublagem do anime cumpre o seu papel, sem destaques. Já a trilha sonora, assinada pela competente Yuki Kajiura, é excelente, misturando música clássica com sons eletrônicos e canto lírico. A abertura é um j-pop alegrinho, cantada pela dupla Claris, que a título de curiosidade foi revelada no Nico Nico Douga, site de stream de vídeos tipo o youtube, muito famoso no Japão. Já o excelente encerramento é uma mistura de rock com música clássica de um dos projetos musicais da Yuki Kajiura, o Kalafina.
O ritmo do anime é um pouco lento, mas nada excessivo, e o enredo é bem conduzido, levando a um final que não é original, mas é bem satisfatório. Apesar de a solução ser mágica, afinal o anime é sobre magia, o anime mostra que há um preço a se pagar para resolver os problemas e que, mesmo que se resolva um problema, ainda existem muitos outros.
Lendo até aqui, dá para ver que o anime é muito bom. Só que ele tem três defeitos que me incomodaram muito e que acabaram por não permitir que eu veja Madoka como uma obra-prima. O primeiro é a adição de um cientificismo totalmente desnecessário na trama. Em um anime no qual sentimentos negativos geram monstros, existe um bichinho que realiza desejos e meninas lutam com poderes mágicos, colocar ciência só faz atrapalhar e confundir o telespectador, já que não dá para entender como os problemas da ciência não se resolvem só com a magia. E o pior é que dava para criar os mesmos dilemas e desafios usando só a explicação mágica.
O segundo defeito de Madoka é a atitude de uma personagem, que enrola as outras e, quando é confrontada, afirma que elas estão sendo emotivas e que não têm do que reclamar. É como se eu fosse te vender uma laranja e dissesse: "Olha, ela venceu ontem, mas eu te vendo pela metade do preço para compensar." Você compra achando que fez um bom negócio, mas quando abre a laranja, descobre que eu não te falei que ela estava podre por dentro. Aí você vem reclamar e eu digo: "Ué, mas eu não te vendi pela metade do preço?" O leitor já viu que qualquer ser capaz de usar a lógica vai entender que isso é estelionato e eu seria um tremendo 171. Dizer que a pessoa se sente prejudicada por ser emotiva é balela.
Já o terceiro e último defeito são as meninas de Madoka. Por mais que o anime seja adulto e sombrio, todas as meninas têm personalidades de acordo com os estereótipos do gênero das garotas mágicas. Sem falar que eu achei todas sem sal. Claro que vai ter quem goste da Homura (Homu Homu para os fãs) e seu jeitinho cool e anti-social, da extremamente boazinha Madoka, da nervosinha Kyouko Sakura, da elegante Mami, ou da brincalhona Sayaka. Mas para mim faltou algo. Da mesma forma, os dramas das meninas são bem simples e infantis, lembrando novamente os animes de garotas mágicas. E apesar de as conseqüências destes dramas serem bem sombrias, eu particularmente gostaria de ter visto algo mais complexo, mas entendo que este é um defeito comum a muitas obras que se propõem a ser uma versão adulta de um gênero infantil. Costumam fazer uma ambientação e situações bem adultas, mas escorregam nas personagens. A grande exceção é a mãe da Madoka, que, no pouco espaço que tem, mostra que tem mais carisma do que todas as meninas juntas.
Madoka é um anime consideravelmente acima da média, com uma qualidade na parte técnica poucas vezes vistas em séries de TV, um bom enredo (apesar de alguns defeitos) e um final coerente. Se você não tiver preconceito em relação aos animes de garotas mágicas e não se importar em ver meninas de 14 anos arriscando a vida para lutar contra monstros esquisitos e sofrendo traumas psicológicos, Madoka é recomendadíssimo.
M4rc0 AFRL