segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Tales of the Abyss (TV)

OBS: Resenha publicada originalmente no Animehaus em 11/08/2009


Ano: 2008
Diretor: Kenji Kodama
Estúdio: Sunrise / Bandai Visual
País: Japão
Episódios: 26
Duração: 25 min
Gênero: Aventura / Drama / Fantasia



Uma coisa que eu acho interessante sobre as adaptações para anime dos jogos “Tales of” é o fato de que todas são feitas por estúdios diferentes, cada um com sua idéia de como o game deve ser melhor adaptado para a tela. Enquanto o estúdio XEBEC optou por criar uma história extra não presente no jogo para "Tales of Eternia", Actus e Ufotable preferiram lançar 'Tales of Phantasia" e "Symphonia" no formato de OVAs, com melhor qualidade gráfica e um enredo mais “compactado”. "Tales of the Abyss", produzido pela Sunrise, é o primeiro caso de uma adaptação que visa ser completamente fiel à história do jogo (que foi lançado para Playstation 2, como uma comemoração do décimo aniversário da série), com um número de episódios suficientes para tal.

ToA se passa em um mundo chamado “Auldrant”, onde tudo é formado por “fonons”, uma espécie de matéria/energia semelhante ao átomo, que pode ser controlado para executar as mais variadas tarefas, desde o funcionamento de mecanismos até a criação de “artes” (magias) e outros objetos peculiares. Neste mundo, existe uma lenda sobre uma existência chamada Lorelei, que seria uma espécie de Deus que controla todos os “sétimos fonons” (um tipo de fonon especial, que tem o poder da cura e só é controlado por pessoas especiais) do planeta.

A primeira pessoa a poder controlar os sétimos fonons, uma mulher chamada Yulia, criou a Ordem de Lorelei, logo após dizer que teve contato com essa existência mitológica e que, graças a isso, foi capaz de criar o “Score” (partitura em inglês). Este Score seria, basicamente, escrituras que prevêem o futuro que deve ser seguido para que o planeta ande por um caminho próspero, e não rumo à destruição. Depois de algum tempo, foi comprovado que tudo o que estava escrito no Score realmente aconteceu de uma maneira ou de outra, o que consolidou sua aceitação geral pela população.

Vários anos depois, um nobre da família real e sobrinho do rei do Reino de Kimlasca-Lanvaldear, chamado Luke fon Fabre, vive uma vida completamente enclausurada dentro de sua mansão, sem ter nenhuma permissão nem para sair na rua. Isso se deve ao fato de que, quando ainda era criança, ele foi raptado pelo reino rival Malkuth e voltou sem memória alguma. Sendo o típico pirralho arrogante, Luke só sabe reclamar o tempo inteiro, tendo como única diversão os treinos de espada que tem com seu professor, Van Grants, um dos cavaleiros da Ordem de Lorelei.

Um dia, enquanto treinava com Van, uma mulher misteriosa aparece de repente na mansão tentando matar o mesmo, e Luke acaba, acidentalmente, liberando uma hiper-ressonância (explicar muito sobre isso aqui seria muito demorado) que o transporta para uma floresta fora de sua casa, juntamente com a misteriosa mulher, que se apresenta como Tear Grants, irmã de Van.

Agora finalmente fora de sua “prisão domiciliar”, ironicamente Luke deseja voltar para casa, e Tear acaba assumindo a responsabilidade e concorda em ajudá-lo. Porém, Luke é um completo ignorante sobre todo o mundo exterior, e vai descobrindo isso da maneira mais difícil possível.

Como já é de costume na série Tales of, a história em si começa cheia de clichês, mas vai aos poucos ficando mais rica e bem pensada, sem cair no maniqueísmo barato e até tendo um argumento central forte e convincente... Mas isso não quer dizer que ela chega a ser algo inovador ou complexo.

O enredo toca de maneira leve, porém eficiente, em questões como o fanatismo religioso, a necessidade que as pessoas tem de depender de alguma coisa (no caso, as previsões do Score), as perdas da guerra, etc... Tudo é bem planejado e passa a mensagem que visa passar, apesar de alguns acontecimentos forçados e certos clichês aqui e ali.

Mas, convenhamos, todo mundo que conhece a série Tales sabe que o que realmente faz seu enredo se destacar são os personagens e isso não poderia se mostrar mais certo aqui. Praticamente TODOS os personagens são bem trabalhados e muito convincentes, cada um lutando firmemente pelo o que acredita. Posso dizer sem dúvida que em ToA não existe aquela história de bem e mal, apenas o que a consciência dos personagens acha que deve ser feito. Todos os “mocinhos” do grupo principal têm seus próprios segredos, arrependimentos e dilemas pessoais, o que faz com que a relação entre eles seja ainda mais rica e nada forçada. Já os “vilões”, todos eles tem motivos ao menos decentes para lutarem, sendo a maioria bem convincente e até capaz de fazer com que o espectador se importe com eles. O próprio Luke, que a primeira vista parece ser só mais um protagonista estereotipado, aos poucos vai mostrando que não passa de uma “criança” atirada em uma realidade que ele nunca tinha visto, e aos poucos ele mesmo percebe isso e tenta mudar, além de outros acontecimentos que colocam em evidência um enorme desenvolvimento em seu caráter.

Quanto aos detalhes referentes à fidelidade do anime para com a história do jogo, ela está muito boa. O anime segue à risca todos os acontecimentos importantes (e outros nem tanto) do jogo, fazendo até algumas cenas extras aqui e ali, o que adiciona mais detalhes ao enredo sem desviá-lo do original.

Porém, é justamente nessa adaptação absurdamente fiel que está um dos maiores problemas de ToA. O anime é tão parecido com o jogo que, em alguns momentos, chega a ser cansativo, pois segue ao pé da letra todos os passos do grupo, ou seja, fica mudando de um cenário para outro o tempo inteiro, além de se repetir bastante. Uma hora o grupo está em uma cidade, depois em uma floresta, depois de volta à cidade, depois em uma estrada até a próxima cidade, mais uma cidade, mais um “dungeon”, etc... Existem alguns episódios em que tantas coisas acontecem e eles passam por tantos lugares que chega a parecer que tudo está muito corrido.

Também vale lembrar que, mesmo sendo parecidos, em alguns momentos o anime não consegue reproduzir de forma igualmente impactante muitos acontecimentos do jogo, e alguns deles são até os mais importantes. Aliás, os últimos episódios, mesmo sendo bons, dão a impressão de ser um pouco sem sal, quando poderiam ter sido bem melhor executados.

A animação do anime é meia-boca, algo não muito freqüente em obras de um estúdio tão conhecido como a Sunrise (Gundam, Code Geass). Muitas vezes é possível perceber que o traço dos personagens fica muito irregular de uma cena para outra, olhos e outras partes do corpo às vezes ficam muito desproporcionais, etc... Isso até chega a ser compensado com as lutas, que são sempre bem movimentadas e satisfatórias, mas como elas não são o foco do anime, o visual em si deixa um pouco a desejar.

O design de personagens está um pouco modificado se comparado ao jogo, porém nada que seja ruim ou muito diferente (mesmo que eu, pessoalmente, prefira muito mais o traço original de Kosuke Fujishima, artista de Sakura Wars e outros jogos da série Tales).

A trilha sonora, apesar da ótima abertura Karma (Bump of Chicken), é um pouco genérica e não muito chamativa, com músicas de fundo completamente esquecíveis, a maioria retirada do próprio jogo mesmo. O encerramento Bouken Suisei (Kurumi Enomoto) foi bem escolhido, com uma letra que combina muito bem com a mensagem central que o anime quer passar.

A dublagem, em alguns momentos, parece ser um pouco forçada. Às vezes a situação nem chega a ser muito melosa, mas a entonação que alguns personagens (com destaque para Luke e Tear) colocam em suas falas são capazes de transformar qualquer cena em um verdadeiro dramalhão mexicano.



Tales of the Abyss, mesmo não chegando ao nível gráfico e narrativo de outras adaptações mais “compactas” como Phantasia ou Symphonia, consegue fazer muito bem seu trabalho, com um enredo e personagens sólidos e bem trabalhados. Esse anime é sem dúvida recomendado tanto para quem gostou do jogo como para aqueles que estão procura de uma boa história, como é possível notar em vários comentários na internet de pessoas que gostaram do anime e nunca tiveram contato com o game.


Lucas Funchal