sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

C – Control – The Money and Soul of Possibility (TV)

Alternativos: C for Control, C – The Money of Soul and Possibility - Control, [C] - CONTROL
Ano: 2011
Diretor: Kenji Nakamura
Estúdio: Tatsunoko Production
País: Japão
Episódios: 11
Duração: 24 min
Gênero: Ação / Drama / Mistério / Sci-Fi




C é um anime dirigido pelo mesmo diretor dos ótimos Mononoke e Trapeze, Kenji Nakamura, e assim como estes dois animes, foi ao ar no bloco Noitamina, que costuma reunir os animes de apelo mais artístico e/ou maduro.

C conta a história de Kimimaro Yoga, um aluno da faculdade de economia que vive em uma situação financeira apertada e cujo sonho é arranjar um emprego público estável, formar uma família e viver uma vida tranqüila. Kimimaro é apaixonado por Hanabi, sua colega de faculdade, mas ela já tem um namorado, que é rico. Certo dia, um homem misterioso, chamado Masakaki oferece a Kimimaro a chance de se tornar um "entrepreneur" (abreviado para "entre") e uma grande quantia de dinheiro emprestado para ser usado no distrito financeiro, pedindo como garantia o futuro de Kimimaro. Depois disso Masakaki desaparece, como se tudo tivesse sido um sonho. Só que, ao checar sua conta, Kimimaro vê uma quantidade extra de dinheiro e, ao sacar um pouco, acaba inadvertidamente aceitando a proposta de Masakaki, que o leva para o distrito financeiro, um tipo de dimensão paralela onde os "entres" lutam entre si apostando seu dinheiro. Durante as lutas, os "entres" usam seus "assets", representações do futuro dos "entres" que lutam com eles e podem ter as mais variadas formas, desde seres humanóides até estruturas metálicas, passando por formas animais e de monstros. Ao se investir dinheiro nos "assets", eles lançam ataques poderosos no inimigo e quem ganha a luta tem lucro, enquanto o perdedor fica com o prejuízo. Se um "entre" perder todo o seu dinheiro, ele é banido do distrito e perde o seu futuro. Assim que chega no distrito, Kimimaro é apresentado à sua "asset", a qual ele dá o nome de Msyu e já tem que participar de um "deal", nome dado às lutas no distrito financeiro. Kimimaro vence o seu primeiro "deal" e, sem saber, acaba entrando em um jogo no qual poderá influenciar o destino de nações, além de poder descobrir o que aconteceu com seu pai, que desapareceu quando Kimimaro era criança.

O anime tem vários personagens, mas nenhum que se destaque. O Kimimaro é um daqueles personagens principais japoneses sem sal. Ele não é particularmente bom em nada, não é carismático, não é inteligente e etc. Mas o seu pior defeito é ser "Maria-vai-com-as-outras". Ele passa boa parte do anime sendo convencido pelas pessoas, ao invés de tomar as próprias decisões. Basicamente é um personagem feito para que o público possa se identificar com ele. Já Souichiro Mikuni é um personagem feito para ser admirado. Inteligente e cheio de recursos, é um dos figurões do distrito financeiro japonês (sim, cada mercado tem o seu). O Masakaki parece uma versão pirateada do Willy Wonka. Ele é um tipo de entidade ”mágica” e fica aparecendo por todo lado, sendo inclusive desenhado em 3D em algumas cenas. A Msyu é a "asset" do Kimimaro e tem a forma de uma menina com chifres e pouca roupa, com a habilidade de lançar fogo. Ela é o mais próximo de uma personagem interessante no anime, já que demonstra uma grande curiosidade sobre o comportamento humano. Finalmente, temos Jennifer Sato, comilona funcionária do FMI que consegue se infiltrar no distrito para conseguir informações para o fundo.

Tecnicamente, o anime é bem medíocre, o que é uma decepção, vindo do Nakamura. A animação é normalmente boa, mas de vez em quando cai de qualidade. O distrito financeiro é visualmente interessante, mas não chega ao nível das coisas de Mononoke ou Trapeze. Os efeitos 3D que eles usaram, no Masakaki e no distrito, ficaram capengas . A dublagem é boa e a trilha sonora, que mistura musica eletrônica e música clássica, cumpre o seu papel sem destaque, mas os temas de abertura e encerramento são divertidinhos.


Os mais atentos facilmente perceberão que o distrito financeiro é uma analogia do mercado financeiro do mundo real, com os "entres" sendo os investidores, os "assets" os ativos de cada investidor, e as batalhas e apostas representando as operações financeiras. As mudanças no mundo quando um "entre" entra em bancarrota são uma forma de ilustrar mais rapidamente os resultados da falência de uma pessoa ou empresa, já que na realidade essas coisas levam tempo e existem tantos fatores que fica até difícil identificar o quê causou o quê. Até o fato das pessoas que não freqüentam o distrito não perceberem as mudanças pode ser encarado como uma referência à ignorância geral da maior parte da população em relação aos assuntos ligados ao mercado financeiro. Finalmente, o próprio Midas Money representa o dinheiro que é gerado pela especulação financeira.

O anime usa essa analogia para introduzir vários temas e discussões interessantes, entre as quais se destacam, na minha opinião, o discurso do informante sobre o papel das relações de confiança na sociedade, mais especificamente no mercado financeiro e em relação ao valor de uma moeda, mas que pode ser generalizado para quase tudo, como, por exemplo, a relação de confiança do indivíduo para com o Estado. Também gostei da breve discussão entre o Kimimaro e o Mikuni no qual o último argumenta que o fato de o sonho do Kimimaro ser apenas levar uma vida normal e livre de preocupações é uma forma de fuga, já que ele se contenta com o caminho no qual não há riscos, ao invés de tentar ousar e arriscar o seu futuro.

O Midas Money traz consigo a discussão de até que ponto se deve confiar no capital especulativo, já que se usado exageradamente, ele pode criar uma dependência na economia que é perigosa em momentos de crise. O Brasil, por exemplo, atualmente recebe muito investimento estrangeiro, dinheiro que é utilizado, entre outras coisas, para geração de valor na forma de criação de fábricas, produtos e etc.. Se tivermos algum problema econômico e os investidores entenderem que perderão dinheiro aqui, eles podem não mandar mais este dinheiro, o que atrapalharia o desenvolvimento de novos projetos para o desenvolvimento do país. E isso só para ficar no mais simples, porque existe o investidor que coloca o dinheiro só para render juros aqui (já que nossos juros são MUITO altos) e tanto este dinheiro quanto o que gera riqueza são utilizados para equilibrar as contas públicas... Não precisamos de tanto detalhe aqui.

Mas a discussão principal do anime é a seguinte: é certo sacrificarmos o nosso futuro para salvarmos o presente? E se não salvarmos o presente, será possível ter um futuro decente? Para ilustrar isso, considere a ajuda que os EUA deram para os bancos não quebrarem. Ora, esse dinheiro que o governo deu para os bancos terá que ser pago no futuro. Isso significa que as pessoas terão que, em uma data futura, fazer esforços para pagar o que foi gasto hoje, ou seja, o bem estar do futuro foi sacrificado para ajudar a resolver a crise e salvar o presente, pois sem este dinheiro ela poderia ter sido bem pior. Nossos "hermanos", quando deram o calote na dívida externa, sofreram uma crise terrível, mas conseguiram se livrar da dívida, que não terá que ser paga no futuro. Mas não seria possível eles estarem melhor hoje se não o tivessem feito?

E é aí que começam os problemas. Como pode se notar na abertura, o anime coloca dois personagens em rota de colisão e comete o grande erro de colocar cada um representando um dos lados da discussão do parágrafo anterior. Um, que acredita que o presente deve ser preservado, e outro, que o futuro não deve pagar pelo conforto do presente. Isso é um problema pelo simples fato de que não há uma resposta. E aí o anime começa a ter alguns problemas. Um deles é mostrar mudanças de realidade imediatas nas quais o país empobrece, mesmo com estratégias para salvar o presente tendo sido usadas. Outro é tornar o antagonista um tanto patético, ao mostrar as razões que o fizeram escolher seu lado.

Além disso, o anime é cheio de furos. O FMI aparece várias vezes, mas acaba não tendo importância nenhuma, chegando ao cúmulo de não poder fazer nada em um momento de crise. E o pior, um cara só com posts na internet consegue influenciar no andamento da mesma crise... A Hanabi é mostrada freqüentemente, mas acaba também sem influenciar quase nada na trama, e as coisas que ocorrem com ela não são explicadas e não fazem muito sentido por si sós.

Além disso, o anime tem um grande problema: apesar de ser baseado em um jogo de batalhas entre os "assets", as regras das batalhas não são explicadas diretamente. Claro que dá para você ter uma idéia de uma ou outra coisa, mas em geral você bóia. E isso é proposital, porque o anime usa essa falta de regras para poder roubar o quanto quiser nas batalhas, o que é um grande defeito. Aliás, não são só as regras da batalha. O anime termina sem te explicar nada. Nem o que realmente são os "assets" e nem o que é e para que foi criado o distrito financeiro. E também não fecha o enredo do desaparecimento do pai do Kimimaro.

O final também deixa muito a desejar. Como o antagonista tem muitos recursos, o anime tem que usar um "deus ex-machina" para dar ao Kimimaro condições de lutar contra ele. E depois desta luta final, existe uma seqüência pseudo-intelectual que é, na verdade, uma desculpa para dar uma solução mágica às coisas, seguida de um epílogo que não te mostra direito o que acontece com as personagens...



C era um anime que tinha tudo para dar certo mas, por algum motivo, desandou bonito. Existem boas idéias e discussões interessantes, mas a execução é ruim e acaba estragando o anime.


M4rc0 AFRL