sábado, 14 de janeiro de 2017

Digimon Adventure tri.- Chapter 3: Confession (Movie)

Alternativos: Digimon Adventure tri. – Confession, Digimon Adventure tri. Kokuhaku
Ano: 2016
Estudio: Toei Animation
Diretor: Keitaro Motonaga
País: Japão
Duração: 105 min
Gênero: Sci-Fi / Drama / Aventura



ATENÇÃO: Resenha contém "spoilers" para quem ainda não viu os filmes anteriores da série, "Reunion" e "Determination".

Na época em que Digimon foi lançado no Brasil, muita gente simplesmente viu a nova franquia como sendo uma cópia descarada de Pokémon, a febre do momento. Digimon, talvez em parte por isso, nunca teve chance na competição: os jogos de Pokémon eram MUITO melhores, a série animada era praticamente uma mina de ouro que gerava todo o tipo possível de merchandising, e absolutamente tudo ao redor da série sempre foi um absoluto sucesso se comparado ao seu competidor com monstrinhos digitais.

Sempre fui, portanto, o único cara que tinha a opinião diferente que, pelo menos em relação ao anime, Digimon era MUITO melhor que Pokémon. Ao passo que a série animada de Pokémon era basicamente uma maneira de promover os jogos e, portanto, continuava infinitamente em um mundo ideal onde os personagens tem perpetuamente dez anos de idade, Digimon tentou um método diferente. Uma série única em torno de 50 episódios, com começo, meio e fim. Os personagens são na verdade pessoas comuns com seus próprios problemas pessoais, e eles lidam com isso ao decorrer dos episódios. Os monstrinhos, além de desculpas para se criar jogos e vender bonecos, também eram personagens que falavam e interagiam com o elenco de crianças humanas. E quando a história acabava, a próxima temporada continuava com uma nova geração de personagens ou, no caso de Tamers (Digimon 3) em diante, a série era rebootada e tudo se passava em um novo universo.

Até hoje não entendo porque as pessoas achavam a série animada de Pokémon melhor. Claro, um escapismo bobo, ainda mais em se falando de crianças, não tem nada de errado, mas ninguém aqui acha que isso cansa depois de um tempo? Um protagonista que faz sempre a mesma coisa, sempre perde torneios, nunca aprende nada, nunca cresce, nunca existe nenhum perigo real. Digimon apostou em não tratar crianças como imbecis e fez uma série que, apesar de obviamente infantil, possuía muito mais substância do que a competição jamais conseguiu fazer. Koshiro (Izzy) lidava com o fato de descobrir ser adotado, Yamato (Matt) e Takeru (T.K.) eram irmãos cujos pais haviam se separado subitamente, Tai tinha que cuidar de sua irmã mais nova e sentia que falhou nisso, e por aí vai.

No geral, Digimon era admitidamente uma série meio boba e infantil (obviamente), mas tinha sinceros momentos onde um drama real existia. Quando anunciaram que tri. seria produzido, disseram que seria voltada principalmente para o público que assistiu a série original e agora está crescido: portanto, uma história mais madura. Confession, o terceiro filme de seis, finalmente mostra o que quiseram dizer com isso.

Depois da grande reviravolta do filme anterior, Meicoomon desaparece no que chamam de “distorção”, e o grupo de Digi-escolhidos se encontra sem reação. A infecção do mundo digital se agrava cada vez mais, e agora os digimons no mundo real sofrem o risco de se infectarem por esse estranho vírus que os torna agressivos.

Sem nenhuma noção se existe a possibilidade de desenvolver alguma espécie de cura, Koshiro decide deixar todos os digimons parceiros em quarentena no seu servidor privado. Enquanto isso, Meiko se sente culpada e deprimida. Para piorar ainda mais, Takeru percebe que Patamon está mostrando sinais de infecção, e decide esconder isso dos outros para protegê-lo.

Apesar de Confession ser, sem dúvida alguma, o filme mais lento até agora (uma única cena de ação relativamente breve no final), é também o mais satisfatório emocionalmente. Sem saber o que fazer em seguida e sem nenhuma maneira viável de investigar por eles mesmos, os escolhidos deixam que a Agência se encarregue de tudo, sendo instruídos a esperar que Meicoomon apareça de novo.

Dessa vez, o foco é em Koshiro e Takeru. O primeiro se encontra frustrado por, apesar de ser um gênio da informática, não conseguir descobrir do que exatamente se trata essa infecção, se chicoteando internamente de maneira constante, enojado por sua incapacidade nesse momento tão crucial. Já Takeru está desesperado e não sabe o que fazer com relação a Patamon, irresponsavelmente desejando que o problema, de alguma maneira, se resolva sozinho.

A ideia aqui é algo muito familiar aos jovens que estão passando ou já passaram pela fase de transição entre adolescência e vida adulta: a responsabilidade. Enquanto Koshiro se sobrecarrega por um senso de responsabilidade exagerado que ele acha ser necessário na vida adulta, Takeru se vê angustiado pela covardia de não querer assumir a responsabilidade, mesmo sabendo que as coisas não são só sobre ele.

É um tema forte e muito bem trabalhado no roteiro, onde há inclusive mais espaço para os próprios Digimons atuarem, ao verem que os parceiros talvez não sejam capazes de lidar com a realidade (o motivo para isso é spoiler, então assista!).

O clima é suavemente mais sério. Tem bem menos comédia e ação em favor de uma exploração mais intimista dos personagens, e isso foi a direção certa a se tomar. Como os dois filmes anteriores mostraram, a trama em si não é lá essas coisas e tri. só se mostra acima da média quando se foca nos personagens.

Falando na trama, ironicamente, esse filme é o que tem mais dela. E o resultado, apesar de não ser ruim, ainda deixa um pouco a desejar. Lá para o meio do filme, descobrimos sobre algumas coisas que estão acontecendo por trás dos panos que simplesmente não são devidamente explicadas e, definitivamente, não foram implicitadas nos filmes anteriores. Um conceito em particular parece ter surgido do nada só para causar efeito dramático, e rola inclusive uma exposição pseudo-cientifica meio besta que não explica praticamente nada e mal justifica o que está tentando dizer. Isso faz com que essa parte em específico pareça meio forçada e muito mal pesquisada. Afinal de contas, estamos falando de Digimon. A série, mesmo em suas versões mais sérias, nunca foi conhecida por um sci-fi sólido.

Felizmente, a animação voltou a um padrão aceitável. Ainda é muito inferior à qualidade que estamos acostumados de produções atuais, mas pelo menos não distrai como no filme anterior. A trilha sonora continua ótima e, nos poucos momentos de ação, dá um gás fantástico, mesmo que acompanhada de uma animação medíocre.



Digimon Adventure tri. – Confession não é só um ode à série original, mas uma respeitosa tentativa de entreter os fãs, agora crescidos, ao mostrar os antigos personagens lidando com problemas reais e relacionáveis. Crescer pode ser algo necessário, mas tri. diz que vale a pena tentar manter a criança interior. Uma fala de Taichi, em específico, me impactou muito: “Se esperarmos demais, vamos acabar virando adultos.” Tem toda a razão, Tai. Um adulto nada mais é do que uma criança que esperou demais.


Lucas Funchal