quinta-feira, 28 de setembro de 2017

O Gato do Rabino (Movie)

Alternativos: Le Chat du Rabbin; The Rabbi's Cat
Ano: 2012
Diretor: Joann Sfar, Antoine Delesvaux
Estúdio: Autochenille Production
País: França
Duração: 80 min
Gênero: Aventura / Comédia / Fantasia



Eu dividi apartamento com um francês por seis meses. Conversando com ele um dia ele se impressionou que eu conhecia as obras do Hayao Miyazaki e os quadrinhos de Corto Maltese. Segundo ele, era raro achar em outros países adultos que davam valor e se interessavam por quadrinhos e animações.

É uma evidência anedótica, mas faz sentido. A França tem o Festival de Angoulême, que considero o mais respeitado prêmio dos quadrinhos do mundo e que não é limitado a ação/super-heróis/romances colegiais. Muitos filmes de animação (Ghibli inclusos) têm na França sua primeira exibição fora de seu pais de origem, ou seus primeiros lançamentos de DVD e Bluray.

A produção interna também é relevante e variada. Num feliz acaso, eu pude ler as três primeiras edições dos quadrinhos de "Le Chat du rabbin" e fiquei totalmente deslumbrado. De queixo caído mesmo. No momento existem seis álbuns lançados com os personagens, e só os dois primeiros foram lançados em português (cinco foram lançados em inglês). Devo comprar as edições em francês mesmo e engatinhar na leitura.

Mas, enquanto elas não chegam, posso ao menos ver a animação. Que adapta os álbuns 1, 2 e 5 dos originais em francês.

O gato do rabino é sobre o gato de um rabino (duh) que mora na Argélia nos anos 30. Ele vive com seu mestre e a filha dele, uma bela moça pela qual o gato é perdidamente apaixonado. Um dia, em um acesso de fome, o gato devora o papagaio da família e ganha a habilidade de falar. Mas ele mente falando que não havia devorado o papagaio, o que faz com que o rabino fique com raiva e o proíba de conversar com sua filha. Então o gato decide que quer ter um bar-mitzvah e ser considerado judeu, mesmo que ele demonstre ser meio agnóstico, para que volte a conviver com sua bela dama.

Esta é a primeira história. O filme não tem um arco grande, mas vários pequenos episódios contidos. Isto inclui a chegada de um primo do rabino que anda com um leão, a chegada de um russo (viajando do jeito mais improvável possível) e uma viagem pela África procurando uma cidade mística.

É um quadrinho muito realista e muito bem pesquisado. O gato fala? Sim. E outros animais também, mesmo que apenas com o gato. Mas isto não importa. Quase como no realismo fantástico, a fala do animal é algo com pouca influência na história – você aceita o fato e pronto. A parte mágica não é a capacidade de fala do felino, mas o mundo real como é mostrado.

O gato em um momento fala que “os pequenos detalhes mostram a extensão do que não sabemos”. Dando uma olhada em imagens ou no trailer dá para ter uma ideia disto que o filme mostra tão bem. O cuidado com as vestimentas, arquitetura, religiões, modo de pensar, o esmero com tudo é tão grande que o mundo é tão fascinante quanto qualquer mundo de fantasia. Com a diferença que este é o nosso mundo, ou pelo menos como era há menos de um século atrás. Um mundo com o qual nós não temos contato.

No Brasil somos muito afastados, culturalmente e geograficamente, de praticamente todo o resto do mundo. Nos orgulhamos de nossa pluralidade, mas a maioria esmagadora do país segue um tipo de religião, ouve músicas em apenas dois idiomas, assiste a obras retratando pessoas brancas e acompanhamos notícias, no máximo, sobre Estados Unidos e Inglaterra. O Gato do Rabino pega um monte de caricaturas que temos e as transforma em personagens e situações que têm gosto de realidade. Claro que não é um filme feito pensando em nós, brasileiros, mas serve como um pequeno antídoto para um mundo cada vez mais fechado. E isto tudo sem deixar de mostrar a violência, racismo, preconceito e extremismos que existem. Ele mostra, não julga.

Os diálogos - que são o que mais me atraíram nos quadrinhos – continuam perfeitos. Com seus erros, com suas cadências, com suas espertezas. Um personagem fala com pitadas de ironia, outro com ares de professor, outro com certezas absolutas. Dá para separar as falas e facilmente descobrir de quem são. É uma naturalidade gostosa, interessante. Nada é truncado. Por isso não vou comentar dos personagens, mesmo que tenha amado todos eles. A graça é ir descobrindo. É como ser apresentado a um grupo de pessoas e notar como cada uma é diferente tanto das outras quanto de você mesmo.

E, visualmente, o filme mantém todo o charme. O autor dos quadrinhos, Joann Sfar, co-dirigiu a animação ao lado de Antoine Delesvaux. O filme vai além de apenas manter o estilo detalhado e cheio de traços do original. Há brincadeiras com formas e cores e cenas de psicodelia que só fazem sentido animadas. Dá pra sentir seu olho sendo guiado pela tela no ritmo certo e do jeito certo. É uma viagem, mas uma viagem gostosa.



O que é melhor que este filme? O fato que tem mais um em produção. Com a previsão para ano que vem, tomara que adaptando as histórias que faltam – ou, quem sabe, até com histórias inéditas.

E até lá, é provável que meus quadrinhos tenham chegado :)


Heider Carlos