quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Valsa com Bashir (Movie)

Alternativos: Vals Im Bashir, Waltz with Bashir
Ano: 2008
Estudio: Bridgit Folman Film Gang
Diretor: Ari Folman
País: Israel, Alemanha, França
Episódios: 1
Duração: 90 min
Gênero: Drama, Documentário



Em 23 de agosto de 1982 o candidato Bashir Gemayel é eleito presidente do Líbano. Neste tempo o Líbano estava passando por uma profundamente complexa e sangrenta guerra civil (1975~1990) e Bashir era um importante líder militar e político, pois além de comandante das Forças Militares Libanesas (Al-Quwwat Al-Lubnāniyya), era líder da Falange Libanesa (Al Kataib Al Lubnaniyya), um partido militarizado nacionalista cristão de extrema direita apoiado por Israel para combater partidos e grupos militares muçulmanos nacionalistas libaneses, sírios e palestinos, como a Organização para Libertação da Palestina (Munaẓẓamat at-Taḥrīr al-Filasṭīniyyah), então liderada por Yasser Arafat, durante a guerra civil; Bashir Gamayel, além do já citado poder militar, conquistou um forte carisma político e sua candidatura era diretamente apoiada por Israel. Em 14 de setembro de 1982, Bashir e mais 26 pessoas morreram num ataque de carro-bomba na sede da Falange Libanesa em Achrafieh, distrito cristão de Beirute, poucos dias antes de tomar posse da presidência, mergulhando o conflito em mais uma das dezenas de espirais do caos que a região atravessou… Prepare-se, a valsa começa aqui.

Produzido em 2008 por Bridgit Folman Film Gang, Les Films d'Ici e Razor Film Produktion, Valsa com Bashir é uma animação israelense extremamente premiada e aclamada por público e crítica em todo o mundo, como Globo de Ouro, Palma de Ouro, BAFTA e Cannes. Seu estilo narrativo segue o formato “docudrama”, que significa a apresentação de uma história contada como se fosse um documentário, ou com forte influência deste modelo. Sua exibição, distribuição e comercialização foi proibida e banida no Líbano.

Aqui somos apresentados a Ari Folman, que, curiosamente, além de escritor e diretor do filme, também é o protagonista, um ex-combatente do exército israelense que se dá conta de que não consegue se lembrar de absolutamente nada sobre o período que passou no exército, quando tinha cerca de 19 anos, durante a guerra civil libanesa, no momento em que tenta ajudar seu melhor amigo, Miki Leon, atordoado por constantes e intermináveis pesadelos que têm relação direta com os traumas e momentos vividos durante o conflito. Intrigado, Folman parte em busca não apenas de respostas para ajudar seu amigo, mas para entender o que aconteceu para sua mente ter apagado memórias provavelmente tão marcantes de si mesmo.

Visualmente, o filme é irretocável, tendo sido completamente animado por computador em uma técnica parecido com a rotoscopia, em que as gravações e fotos são redesenhadas em softwares de desenho e animação diretamente sobre o original. Efeitos de cell-shading (imagens e objetos em 3D renderizadas para se parecem com desenhos bidimensionais) são usados aos montes, mas sempre em absoluta harmonia com todo o trabalho manual apresentado na tela. E por falar na própria animação, esta é fluída e com elementos bem conectados e ambientados. Com traço de forte influência realista.

Algo que precisa ser notado é quanto ao uso da paleta de cores. A maioria das cenas são colorizadas com fortes tons em contraste propositalmente, pois todas elas casam exatamente com os aspectos psicológicos ou emocionais que compõem os personagens envolvidos na cena. Um exemplo disso são determinados momentos em que, independente se for dia ou noite, o preto estará predominante em conjunto com uma cor forte, como o amarelo ou o vermelho em momentos de stress, ou predominantemente branco para demonstrar desapego e esquecimento. Isto enriquece inimaginavelmente a experiência de assistir o filme, pois cada imagem é montada especialmente para integrar partes em que o roteiro ou a fala dos personagens não pode alcançar sozinhas, mas que o espectador pode senti-las através das cores e suas nuances.

Outro elemento de brilho é a magnífica trilha sonora de Max Richter, instigante e profunda, como também nos ótimos efeitos sonoros que compõem toda a produção. Destaque também para músicas escolhidas a dedo, como “This is Not a Love Song” da banda inglesa PiL.

Mas o que torna Valsa com Bashir especial é sua abordagem diferenciada do conflito. Em filmes de guerra norte americanos, os soldados normalmente são retratados com destaque e virilidade, e uma performance quase gloriosa. Aqui não. Aqui os soldados sentem medo, culpa, vergonha, desalento, crises existenciais e traumas irrecuperáveis. Seres humanos imersos num estranho e pegajoso vazio, buscando algo no meio desta guerra que, além de tudo o que precisam passar, ainda acabam perdendo o sentido da existência como ser humano. Ao contrário do que normalmente se vê em produções ocidentais, nenhum dos personagens de Valsa com Bashir é do tipo que o espectador gostaria de se tornar ou se inspirar, sendo pessoas reais de eventos pós-guerra, com seus monstros e fantasmas internos que certamente nunca serão expulsos de suas breves vidas.

A história de Valsa com Bashir não se refere exatamente à guerra civil do Líbano, mas foca apenas no período específico entre a morte do candidato eleito Bashir Gemayel e, posteriormente, o massacre de Sabra e Shatila, em que milhares de refugiados muçulmanos libaneses foram sumariamente assassinados pelas forças militares da Falange Libanesa, em retaliação à morte de Bashir, durante 3 dias em campos de refugiados administrados civil e militarmente por Israel em Beirute, no Líbano.

O filme também não tem medo ou pudor em retratar nada: cenas de fuzilamento, morte, nudez e até sexo explícito são mostrados sem a menor cerimônia, enaltecendo a característica de mostrar a frieza da devastação que não apenas a guerra em si causa na vida das pessoas, mas suas consequências diretas e indiretas.

Durante a busca de Folman por respostas, várias entrevistas com ex-combatentes, psicólogos, jornalistas e pessoas que participaram do conflito no período que o filme é retratado aparecem, dando profundidade absurda à história que somente um ótimo documentário poderia proporcionar.



Se você gosta de animações mais sérias, adultas, temas que “o façam refletir” ou mesmo documentários, Valsa com Bashir é obrigatório. Uma carta para as gerações futuras, um pedido de clemência, para que não busquem o conflito armado jamais, por todas as vidas e histórias destruídas que, como todo mundo, apenas buscam uma oportunidade para seguirem em frente com suas vidas e das pessoas que amam. Absolutamente recomendado.


Emanuel Silva Sena