Ano: 2017
Diretor: Jay Oliva
Estúdio: Warner Bros. Animation / DC Entertainment
País: EUA
Duração: 75 min
Gênero: Ação / Fantasia
A DC tem uma boa tradição com animações. Mas estas animações são, normalmente, voltadas para crianças. O que faz muito sentido: ela precisa de manter seus personagens vivos no imaginário popular, e isto requer um trabalho a cada poucos anos para garantir que toda criança saiba quem são Batman, Superman e Mulher Maravilha. Os roteiros costumam ser bons – afinal os roteiristas têm décadas de histórias para tirar ideias – mas é sempre ruim saber que há muitas limitações em relação aos assuntos que podem tratar.
Por isso temos que dar valor a um filme que começa com uma mulher dirigindo seu carro, cercada de demônios, e em desespero começa a atropelá-los. Até que ela é detida pela Mulher-Maravilha, e vê que estava atropelando pessoas normais o tempo todo. Um pai aponta uma escopeta para o que crê serem monstros mas, na verdade, são sua esposa e filhos, e quando Superman chega há vários corpos espalhados, alguns pelo chão, outros enforcados...
A DC faz filmes de animação focados em um público mais velho faz algum tempo. Nos últimos anos a qualidade decaiu bastante, mas nada que chegue ao nível de completa porcaria de Batman vs Superman.
Os quadrinhos da Liga da Justiça Sombria são recentes – a primeira edição é de 2011, o que pro universo dos quadrinhos quer dizer ontem. Ela junta personagens ligados ao universo místico da DC em um grupo capaz de lidar com ameaças que a Liga da Justiça tradicional não tem conhecimento ou poder para combater.
O “líder” da Liga da Justiça Sombria é John Constantine. Criado pelo gênio dos quadrinhos Alan Moore, ele é bem diferente do que eram os magos tradicionais. Ele não é alguém isolado e inalcançável, pelo contrário. É parte da classe pobre inglesa, trabalhadora, e sem esperanças de um bom futuro. O personagem foi criado em 1985, em plena era Thatcher, em seus quadrinhos originais sempre se envolvia com política. Se veste com um sobretudo velho (que frequentemente acaba sujo de sangue, vômito ou fezes). Dependendo de como se lê suas histórias, não dá nem para afirmar se ele é um mago ou apenas um maluco. Ele é um detetive do oculto com inclinações em passar a perna em todos e cujo destino é trazer desgraças a todos que estão perto.
Ou pelo menos ele era assim. Depois da reforma dos quadrinhos chamada de Novos 52, a versão do John Constantine é mais jovem, menos cínica e menos depressiva. Não há mais comentários políticos. E a versão do filme é a dos Novos 52. Outra grande diferença é que Constantine normalmente faz rituais, no máximo uma invocação ou outra. Ele é temido pelo conhecimento do oculto que possui. Esta sutileza foi deixada de lado. Agora ele simplesmente joga bolas de fogo mágicas nos inimigos, pirotecnia pura.
Curiosidade totalmente inútil: eu morei na cidade onde o personagem nasceu, na Inglaterra. Pois bem, as principais lojas de quadrinhos de lá não vendiam as edições de Constantine dos Novos 52, como forma de protesto contra a interpretação pasteurizada do personagem.
Outra personagem de destaque é Zatanna, que sempre fica no meio do caminho entre o universo de super-heróis e o universo adulto da DC. Ela faz parte de uma linhagem antiga de magos, se veste como assistente de palco de mágicos e conjura suas magias falando frases de trás para frente – algo muito mais fácil de se notar num quadrinho do que numa animação. O único limite de seus poderes parece ser o cansaço que lhe abate após conjurar feitiços colossais.
Fechando a trindade fixa da Liga da Justiça Sombria temos Deadman, um fantasma que tem a habilidade de possuir corpos. Mas no filme temos bem mais personagens: Jason Blood, um cavaleiro que tem a capacidade de trocar de corpos com o demônio Etrigan, e aparições de personagens como Orquídea Negra, Monstro do Pântano e vários outros. Como eles têm suas histórias de origem contadas durante o filme – algumas consideravelmente diferentes das suas versões dos quadrinhos – eu não vou estragar a surpresa e comentar muito a respeito.
E infelizmente temos também o Batman.
Quem viu a capa da animação sabe que o personagem de mais destaque é o Batman. E quem leu os quadrinhos originais sabe que ele não participa em nada. É, com certeza, uma imposição da equipe de marketing. Mas parece que há muita gente de saco cheio do jeito como o Batman tem que ter destaque em tudo na DC. Ele não é tão relevante no filme, w até é usado de alívio cômico. Quem estava preocupado do morcegão ser a divindade onipresente onipotente e onisciente de sempre pode ficar aliviado.
O grande problema do filme não é o Batman, nem ao menos a versão nova do Constantine, nem as origens alteradas dos personagens. O grande problema é que parece que o roteiro foi feito imaginando cenas de impacto e como chegar até elas. Olha, temos que ter isto e aquilo e depois a gente pensa em como juntar as coisas. Os personagens passam boa parte do filme investigando porque as pessoas estão ficando malucas e cometendo crimes, e quem assiste está mais perdido que eles. Depois vem a inevitável revelação de porque as pessoas estavam ficando malucas, mas faltam só uns 10 minutos de filme e vamos resolver isto correndo.
É como um bolo feito com os melhores ingredientes, mas que não cresceu como deveria. Não importa quanto chocolate tenha na cobertura, ele não tem liga e acaba sendo um pouco frustrante por estar apenas agradável, quando poderia estar maravilhoso.
Por isto mesmo eu não comentei tanto da história. Ela não é o elemento principal, e isto não é necessariamente ruim. Okay, não é um filme profundo, mas também não precisa ser. Um bolo de chocolate pode até não ser nutritivo, mas quem recusa um pedaço?
E a cobertura do bolo definitivamente são os personagens. Sobrenatural é algo complicado de lidar. Qual exatamente a limitação do que Zatana pode fazer? Até onde vão os conhecimentos de John Constantine? Quando dois magos se enfrentam, qual é o mais poderoso e por quê? Não dá para colocar regras muito rígidas em tudo que envolve magia, senão a própria graça do oculto se esvai. Vira ciência. Ao mesmo tempo a magia tem suas regras invioláveis – coisas como o meio de quebrar uma maldição, por exemplo. Felizmente o filme acerta no equilíbrio. Os personagens não parecem ser super-heróis com poderes sobrenaturais. Os personagens são pessoas (ou fantasmas, ou demônios, ou entidades do Verde...) que acabam tendo que se unir para salvar o mundo.
E as caracterizações são perfeitas, em especial as dublagens. São as vozes que eu sempre imaginei para os personagens, e que servem para contar histórias. As vozes e o jeito de falar de Jason e Etrigan mostram o contraste dos personagens. O Etrigan até fala em rimas! A voz do Monstro do Pântano parece vir do fundo da terra, e Matt Ryan parece ter sido feito para dublar o Constantine – todo sarcasmo e deboche estão lá, em cada frase. Ouvir ele chamar um demônio de wanker* é sensacional.
Quem acompanha notícias sobre quadrinhos deve ter lido rumores de filme live-action da Liga da Justiça Sombria. O diretor seria ninguém menos que Guilherme Del Toro. Se o roteiro deste filme virou esta animação ou se esta animação é um teste de aceitação do público, eu não sei dizer. Mas torço para que tenha feito sucesso. Seria uma boa manter estes personagens vivos. Alguns deles têm suas séries mensais ou boas sagas. Já outros dependem da fama de outros personagens e de participações em equipes maiores para aparecer. Personagens que morrem em quadrinhos raramente ficam mortos por muito tempo. Mas os que caem no limbo do esquecimento não têm tanta sorte assim.
E se tiver uma continuação quem saiba eu não possa ver o Tim Hunter. Ia ser do c******.
* O Marcelo provavelmente não me deixa traduzir "wanker" pro site, então pesquisem o significado no Google se vocês forem maiores de idade :p
Heider Carlos