terça-feira, 31 de julho de 2018

Legend of the Galactic Heroes – Die Neue These (TV)

Alternativos: Ginga Eiyū Densetsu Die Neue These Kaikō
Ano: 2018
Diretor: Shunsuke Tada
Estúdio: Production I.G.
País: Japão
Episódios: 12
Duração: 25 min
Gênero: Ação / Drama / Sci-Fi


Legend of the Galactic Heroes foi originalmente lançada como uma série de livros de ficção científica escritos por Yoshiki Tanaka nos anos 80. Foi adaptada de um jeito tão grandioso quanto sua história: mangás, filmes e mais de 150 OVAs! Se tornou um clássico no Japão e também fora dele, com uma fanbase fervorosa. Sempre ouço falar, sempre tive vontade de assistir, mas o tamanho colossal me desanimava. Agora decidiram recomeçar a história a partir de um anime e foi minha chance de entrar neste mundo.

O anime tem o subtítulo de Die Neue These. Vou usar LotGH para simplificar Legend of the Galactic Heroes, mas sempre estarei me referindo apenas ao novo anime. Tenho medo de pesquisar a respeito da série e descobrir acontecimentos futuros, então não tenho como falar dela além da nova adaptação. Quem se interessar em saber como a nova obra se compara com a antiga terá que procurar em outro lugar (o MyAnimeList costuma ter resenhas de pessoas entendidas).

Bem, acho que o melhor jeito de explicar LotGH é dizer que ele é uma mistura de Star Trek, Star Wars e Death Note. E é bem provável que quem o assista goste destas três obras. A série relata uma guerra entre dois sistemas de governo espacial: o Império Galáctico, uma monarquia absolutista que domina a maior parte do espaço, e a Aliança dos Países Livres, rebeldes que conseguiram se organizar em uma república democrática. É no meio deste imenso embate político e bélico que tudo se desenvolve. Não há alienígenas, apenas humanos. Ou pelo menos não há neste primeiro anime – eu ficaria bem surpreso se surgissem no futuro. É uma série de ficção científica “hard”, mais focada em tecnologias existentes e respeitando mais as leis da física.

LotGH não é uma série de ação. Há cenas de batalhas de naves, e elas são interessantes, mas o enfoque é nos personagens e em seus planos e não em destruições. A única batalha visualmente memorável que eu me lembro acontece no último episódio. É um anime mais cerebral, ou pelo menos tenta ser. Mas os visuais são bem caprichados e detalhados, e as naves em são bem bonitas e detalhadas (e a CGI não incomoda tanto).

O embate entre o Império e a Aliança é representado por dois gênios. A Aliança tem Yang Wen-Li, um historiador que é arrastado para a guerra por suas habilidades táticas (e meio que contra sua vontade). O outro lado tem Reinhard von Lohengramm, que quando jovem teve sua irmã Annerose vendida para o Imperador (aparentemente ela é a única mulher com nome em todo o Império). Ele odeia o Imperador e jurou destruir sua dinastia, e para isso, começa uma carreira militar estratosférica.

Ambos são rivais. São bem desenvolvidos, têm um enorme respeito pelas capacidades um do outro e apenas estão em lados opostos. A série alterna entre os pontos de vistas de ambos e mostra uma guerra de um modo muito menos dualista do que é comum. Há pessoas que são vilões mais clássicos e extremos, mas até mesmo o Império e a Aliança são mostrados como tendo suas nuances. Ambos são dominados por corrupção, preconceitos e pessoas paranoicas ou obcecadas com poder. Reinhard é desprezado por não ser tão nobre em nascença quanto outros. Yang Wen-Li é desprezado por sua falta de nacionalismo e por sua vontade de acabar com a guerra. Mas ambos são claramente os heróis citados no título.

Há dois jeitos principais de mostrar a inteligência de personagens: ou você realmente mostra que eles são inteligentes em suas ações, ou faz com que todo mundo comente o tempo todo quão inteligentes eles são. LotGH para mim cai mais no segundo espectro. Quem assiste não tem informações o bastante para saber o que está em jogo, uma guerra tem variáveis demais. Então, de repente, alguém decide cortar o abastecimento e com isso ganha a guerra, e metade dos personagens elogiam quem teve a ideia brilhante e metade ficam com inveja, e quem assiste aceita que aquilo foi algo muito genial e difícil de ser pensado e pronto. Já decisões estúpidas são destacadas desde o começo só para ficarmos putos de raiva quando algum desgraçado decide que ela é a melhor alternativa.

A série deve ser um deleite para quem gosta de militarismo e história militar. Os uniformes, postos, naves, tudo parece ser muito bem pensado e respeitado. O Japão tem um certo fascínio com militarismo que se refletia bastante em obras de ficção científica, com muitas naves que são basicamente porta-aviões que voam (Yamato que o diga) e personagens divididos em hierarquias bem rígidas. Nada de se impressionar de um país com um passado tão belicoso. Isto serve bem a esta obra: somos frequentemente apresentados a personagens novos pelo nome e posto hierárquico, já sabendo o alcance de sua influência, e só depois vamos realmente os conhecendo. Tudo aqui deve fazer alegorias a itens e acontecimentos reais de países reais. O Império é obviamente nórdico, desde os nomes de seus indivíduos e suas aparências a seus uniformes e o passado de eugenia. A Aliança une outros países e tem muito mais variedade em seus biótipos e países de inspiração. Deve ser muito interessante para quem consegue identificar e fazer as ligações.

Há muitos personagens interessantes e relevantes. Muitos mesmo. Quem acha Game of Thrones confuso deve ficar longe de LotGH. E tanto Yang quanto Reinhart não são onipotentes – suas vidas são fortemente afetadas pelas decisões de outras pessoas. Inclusive isto é uma das coisas mais interessantes da série. O universo é uma máquina grande demais para ser dominado por dois indivíduos, e por isso ver os estragos que estas pequenas engrenagens fazem na máquina fica mais empolgante. Do lado da Aliança temos Julian, filho adotivo de Yang Wen-Li; Frederica Greenhill, filha de um almirante com memória eidética; e muitos outros. Do lado do Império temos Siegfried Kircheis, melhor amigo (amante?) de Reinhart; Paul von Oberstein, um frio conselheiro e excelente estrategista militar; e muitos outros. O grande problema para mim é que todos parecem únicos e interessantes, e alguns não têm mais que uma linha de fala! Talvez as séries de OVAs os desenvolvam mais, ou talvez o autor dos livros tenha criado um mundo grande demais para ser adaptado com tantos detalhes, ou eles só representem as pessoas que morrem em guerra sem jamais ter suas histórias contadas. Não sei. Mas é muito frustrante ver personagens que poderiam ter um anime só deles caindo um por um.

É um anime praticamente sem mulheres. Não é de se estranhar – é uma obra antiga, que ainda por cima retrata um meio muito machista. Mas gera aquele desconforto e estranhamento de pensar que metade da população simplesmente não existe naquele universo. E eleva ainda mais o homoerotismo da coisa. Não sei se é a intenção da nova equipe ou do autor original, mas tantos homens só interagindo entre si e ainda em um meio já tão fetichista... É algo tipo Sherlock x Watson ou Poe x Finn elevado à enésima potência. Certeza que existem tumblrs lotados de artes de fãs mostrando encontros íntimos dos personagens e fanfics românticas para quem estiver afim.

O anime termina muito do nada. Será continuado em três filmes, e de lá em diante quem sabe. Recomendo para quem quer entrar em um universo intimidante, massivo, mas por isso mesmo fascinante. Quem gosta de Senhor dos Anéis pelo mundo ou sabe citar as características de várias raças de Star Trek vai se apaixonar fácil. A criação de tudo demonstra cuidado. O “lore” é incrível. Os personagens desenvolvidos são ótimos. Até os personagens não desenvolvidos parecem ser ótimos.



Torcer para alguém é uma tarefa ingrata, mas que todo mundo vai acabar fazendo mais cedo ou mais tarde. LotGH é mais um projeto que um pequeno anime – algo para assistir por anos a fio, até que toda a história acabe. E aí eles lançam uma nova série contando tudo do começo, e dá para começar todo o percurso de novo (como muitos fãs da série de OVAs originais têm feito). O melhor de tudo é que cada episódio avança um pouco a história e coloca mais coisas em risco. É o contrário da cultura filler tão forte no mundo dos animes hoje em dia, e também o contrário das trocentas séries esquecíveis lançadas a cada temporada. Quem quiser embarcar nesta jornada, fica meu desejo de boa viagem.


Heider Carlos