Alternativos: Kurodzuka
Ano: 2008
Diretor: Tetsuro Araki
Estúdio: Madhouse
País: Japão
Episódios: 12
Duração: 23 min
Gênero: Ação / Sci-Fi / Violência
Kurozuka é uma série para TV adaptada do mangá de Takashi Noguchi, mangá este que é também uma adaptação de um romance sobrenatural de Baku Yumemakura. A obra original é baseada na história de Minamoto no Yoshitsune, que, em meados do século XII, conheceu em uma viagem pelas montanhas uma estranha mulher chamada Kuromitsu. Perdidamente apaixonado por ela, Minamoto acaba por se envolver numa teia de intrigas e mistérios que a circundam, adquirindo um dom que o fará viver por mais de mil anos até a distopia de um Japão à beira do apocalipse.
O anime inicia no mais alto clima de ação: Kuro (como Minamoto também é chamado), juntamente com seu servo Benkei, estão sob ataque em uma emboscada comandada pelo irmão mais velho de Kuro, Minamoto no Yoritomo (o primeiro Shogun a governar todo o Japão). Os soldados de Yoritomo estão em grande número e são animados por forças sobrenaturais. Apesar do poder descomunal de Kuro e Benkei, não há como enfrentar tantos inimigos, então a única saída para ambos passa a ser uma retirada estratégica. Por sorte, os dois encontram uma construção no meio da floresta, e se dirigem para o local. Lá, conhecem a bela Kuromitsu, por quem Kuro cai de amores à primeira vista, assim como no romance original. A moça é extremamente receptiva com os fugitivos, e permite que fiquem em sua mansão com uma condição: não acessarem o seu quarto de dormir. Obviamente, num primeiro momento Benkei e Kuro concordam, entretanto, posteriormente a curiosidade toma forma e o segundo acaba invadindo a intimidade de Kuromitsu. Para sua surpresa, descobre que a donzela é uma vampira imortal – e que também é procurada pelo clã do Exército Vermelho do Shogun.
Não demora muito para que a utopia amorosa de Yoshitsune desabe e a mansão seja invadida pelos asseclas de seu irmão. Em uma escapada furtiva, os dois amados se escondem na floresta e fazem juras de amor eterno. Kuro está à beira da morte, e é nesse momento que Kuromitsu oferece a ele seu sangue, capaz de tornar qualquer homem imortal. O jovem aceita a oferta da vampira, até que é covardemente golpeado pelo seu próprio servo, Benkei, que o decapita em nome do Shogun. Enquanto a cabeça atordoada de Yoshitsune rola lamentando a traição de seu companheiro e a perda de Kuromitsu, um choque o leva até um Japão futurístico. Neste universo distópico, o país foi tomado pelo Exército Vermelho, e a sociedade se definha em direção ao colapso. A partir deste mote, Kuro terá que descobrir o que houve neste intervalo de 1000 anos com sua alma, sua terra, e, mais importante ainda: com sua amada.
O ponto de partida de Kurozuka é notavelmente promissor. Aliado a um estúdio de peso como a Madhouse, com trilhas excelentes de abertura e encerramento (da brutal "Systematic People" do Wagdug Futuristic Unity à melancólica "Hanarebanare" de Shigi) e com um primeiro capítulo memorável, olhares mais desavisados não tardariam em precocemente atribuir a série o título de destaque do gênero. Num anime que em as premissas-chave são sangue e violência aos montes, em meio a um mar de combates dotados de fluidez inigualável (a perseguição a Kuro e o combate na mansão de Kuromitsu são referências aqui), o que poderia dar errado? A resposta para esta pergunta se dá em três direções: 1) enredo engessado numa sucessão de clichês desgastados; 2) personagens estereotípicos e sem personalidade; 3) animação com perda significativa de qualidade.
1) Enredo engessado numa sucessão de clichês desgastados: Kurozuka, a partir do momento que avança para sua etapa futurística, cai nos piores e mais deploráveis clichês de animes de ação. Tem-se a impressão que o diretor se preocupou mais com o character design e com a mistura de soldados armados e espadas afiadas do que com o desenvolvimento do enredo em si. As reviravoltas que levam aos conflitos são motivadas por fins no mínimo escusos e infantis, e é um desafio à inteligência encarar sem ceticismo determinados acontecimentos. Fora isso, a série apela ao terror nas piores ocasiões possíveis, como se a marca do seinen (animes voltados a um público maduro) fosse o grotesco e não a complexidade intelectual da trama. Impossível não destacar os passos para o lastimável desfecho, que são paradigmáticos neste sentido ao darem vazão a um virulento jorro de azedume notavelmente injustificável.
2) Personagens estereotípicos e sem personalidade: Se já não bastasse uma narrativa mal construída, as figuras de Kurozuka são simplórias e de motivações mecânicas. Os personagens se encaixam em estereótipos, e suas complexas redes de pensamento se reduzem a jargões tolos e diálogos insanos. O próprio protagonista, Kuro, não engata ao longo da série, soando como um mero coadjuvante em meio a um desfile de aberrações que parcialmente tomam a cena em cada capítulo. Nesta órbita, o próprio character design serve pra estereotipar os artífices de Kurozuka, já que os contornos estilizados e as armaduras brilhantes servem mais para deformar as personalidades do que para corroborar numa presumível construção psicológica. Isto é tão evidente que não julgo possível citar nem ao menos um personagem que tenha um crescimento promissor no decorrer dos 12 capítulos - enquanto é possível categorizar sem muitas dificuldades um ranking extenso com os mais caricaturais.
3) Animação com perda significativa de qualidade: Kurozuka não seria tão medíocre se seu principal argumento funcionasse com maestria. Para uma série que inicia com sanguinolentas cenas de ação, seria altamente tolerável personagens rasos e trama clichê, contanto que estas cenas mantivessem sua qualidade ao menos em uma boa fatia dos 23 minutos de cada capítulo. Todavia, do terceiro episódio em diante, as lutas passam a serem feias de se assistir, e a fluidez dos combates dos dois primeiros capítulos é relegada ao passado. Este fator se torna ainda mais alarmante quando adentramos de vez nos embates aparentemente mais propícios a um bom trabalho de arte. As lutas com os principais antagonistas são mal elaboradas, e os desenhos perdem uma parcela significativa de sua propriedade gráfica a cada vez que Kuro saca a espada. Para um estúdio de peso como o Madhouse, responsável por algumas das mais belas obras neste quesito dos últimos anos (como Claymore, Death Note, Rainbow, Shigurui), é até um disparate cometer tal deslize. Mas ele é nítido para qualquer um que acompanhe Kurozuka, e infelizmente, só é parcialmente corrigido no último episódio.
Finalizando este review, chego à conclusão de que Kurozuka está localizado no limiar da mediocridade. Uma linha tênue o separa da total dispensabilidade, e esta linha é exatamente marcada pelos momentos memoráveis de ação que salpicam em alguns poucos capítulos. Porque de resto a série é totalmente desnecessária.
Thales Vilela Lelo