segunda-feira, 14 de novembro de 2016

The Tatami Galaxy (TV)

OBS: Resenha publicada originalmente no Animehaus em 11/02/2011

Alternativos: Yojouhan Shinwa Taikei
Ano: 2010
Diretor: Masaaki Yuasa
Estúdio: Madhouse
País: Japão
Episódios: 11
Duração: 23 min
Gênero: Drama / Comédia



“Naquele tempo eu era um calouro da universidade e diante dos meus olhos foram abertas várias portas para o campus cor-de-rosa” – Esta frase, repetida exaustivamente nos primeiros momentos de quase todos os episódios de The Tatami Galaxy e aqui transcrita, pode parecer mero recurso estilístico, mas é a que melhor oferta um quadro dinâmico e sintético desta obra. A série trata dos primeiros dois anos de faculdade de Watashi (que significa “Eu”, ou seja, o personagem não tem seu nome apresentado), um franzino e tímido calouro que, enredado pelos imaginários sobre o mundo universitário, anseia uma vida colorida em meio ao cinza de sua vida tediosa de até então. Ao seu lado, um formidável aliado: o tempo. A cada final de episódio em que o sonho de Watashi não é concretizado, ele tem a possibilidade de “voltar atrás” literalmente, e testar as outras tantas possibilidades de atravessar as portas deste confortável mundo cor-de-rosa. Indo e voltando no tempo, o personagem principal se cruza de múltiplas formas com situações semelhantes, mas em conexões distintas. Assim, surge logo a indagação: será possível, com inesgotáveis chances, atingir a meta de trazer o imaginário para o terreno da vida cotidiana?

Antes de entrar nos méritos do enredo em si (que são muitos, por sinal), prefiro optar por um caminho inverso, que elencará primeiramente a conjunção de fatores externos que, somados, confluem nesta confusa (no melhor sentido da palavra) e embriagante construção estética e narrativa. Tomar este norte como rota de navegação me servirá como fonte de equilíbrio e controle para uma resenha que porventura poderia se tornar um emaranhado de congratulações, envoltas no mar de afetos que me foram sensibilizados ao longo da trama.

Para começar, se eu pudesse descrever com uma única sentença o que seria uma confluência positiva de fatores que potencializam o desencadeamento de uma trama consistente, mencionaria The Tatami Galaxy como um forte candidato à referência. Primeiramente, temos como estúdio responsável a Madhouse, que já é ícone na produção de animes de alto cacife e símbolo de excelência estética (vide desde os surpreendentes Death Note e Rainbow até os excêntricos Paranoia Agent e Paprika). Coligado a esta carta de alto peso no baralho, temos na mão também o diretor Masaaki Yuasa, figura que não pode deixar de ser citada em quaisquer análises que se prezem dignas de mérito. Este profissional, que é atualmente uma figura honorável no panteão dos animadores nipônicos - seja pelo ar nonsense de boa parte de seus trabalhos, seja pelas experimentações estéticas extremamente bem acertadas – não se resume a assumir direções sem que isso implique a impressão de um dígito pessoal irreproduzível (haja vista séries brilhantes como Kaiba, Kemonozume ou participação em experimentos ainda mais ousados, tal qual Cat Soup ou Mind Game irão propor). E a cereja no topo no bolo é o bloco Noitamina, da Fuji Television, espaço favorável e estimulador a dezenas de títulos inovadores, que oxigenam o cardápio por vezes já combalido de animes acorrentados às fórmulas comerciais. Se Ayakashi, Mononoke, Tokyo Magnitude 8.0 - e mais recentemente Kuchuu Buranko (Trapeze) - consagraram este bloco, The Tatami Galaxy não poderia eclodir em melhor lugar.


Somando estes dados, esteticamente o que assistimos nos 11 capítulos que compõem está série são de uma ousadia considerável. Os recursos já testados em Mind Game de mescla de estilos de animações, que foram levados ao ápice no já referido Kuchuu Buranko do diretor Satoshi Miki, aqui também são empregados, de modo que fundos em live-action são entrelaçados com desenhos por vezes propositadamente toscos, que repentinamente se tornam sobrecarregados em traços, casando com os vários estágios de consciência dos personagens no decorrer da história. Até mesmo as cores dos cenários se alteram em decorrência de estados cognitivos. Amarrando estes recursos estão sacadas metafóricas que adensam ainda mais o complexo universo construído (nem mesmo a abertura da série, com trilha do Asian Kung-Fu Generation, está disposta a esmo: tudo será racionalizado pelo enredo, nem que seja implicitamente).

No tocante à narrativa em si, adaptada de uma novel homônima de Morino Tomihiko, o destaque fica por conta da frenética e por vezes confusa sequência de narrações de Watashi sobre seu dia-a-dia. O impacto das falas ininterruptas do narrador-personagem seria intolerável sem um contrapeso de acontecimentos que se repetem, formando um ilusório padrão, e dos cenários que oscilam entre o monocromático e o cintilante. Ainda assim, até se acostumar ao ritmo caótico da mente de Watashi, muitos poderão abandonar The Tatami Galaxy. Suas divagações são incrivelmente velozes, articulando-se sempre em relação e interação com os outros elementos presentes, sejam eles personagens ou cenários. Todavia, o mundo estético e cognitivo de Watashi, desenhado na tela, é o mundo de um Eu que poderia ser uma infinidade de outros.

Assim, também os tipos que interagem com Watashi são tão comuns do cotidiano, e ao mesmo tempo tão esquizofrênicos, que só poderiam mesmo ser elaborações da mente fértil de um universitário. Ozu é o amigo fiel, mas sempre disposto a pregar peças no destino idealizado do protagonista; Akashi é a estudante brilhante, independente; Jougasaki é o garanhão que, na intimidade, só consegue se satisfazer com o afeto de uma boneca; Higuchi é o veterano bonachão e despreocupado; e, em meio a eles, os cômicos Johnny, símbolo da sexualidade reprimida, e a velha que sempre prediz o mesmo futuro para Watashi (mas com um preço cada vez mais alto).



The Tatami Galaxy fala de uma fase da vida que, de tão promissora e idealizada na sabedoria popular, de tão cor-de-rosa no sentido intenso e inebriante da tonalidade, não poderia ser mais comum. O Eu que se delineia na tela para depois se desconstruir - e voltar atrás no tempo - é o Eu de tantos outros que, nesta etapa final da adolescência, compreendem que o ideal possível só é palpável se não for ideal, porque não há mundo de uma cor só (elas estão todas misturadas). Por isso mesmo, o caminho que Watashi percorre é o mais convencional possível (a oportunidade que está sempre ao alcance, mas que é perdida), mas que nem por isso é menos tortuoso em cada uma de suas possibilidades. Por todas estas razões, não há porque não se aventurar pelo universo distorcido e nonsense de The Tatami Galaxy. Os primeiros minutos de sobrecarga mental serão recompensados, disso não há dúvidas.


Thales Vilela Lelo