sábado, 15 de julho de 2017

Shin Sekai Yori (TV)

Alternativos: From the New World
Ano: 2012
Estúdio: A-1 Pictures
Diretor: Masashi Ishima
País: Japão
Episódios: 25
Duração: 24 min
Gênero: Suspense/Drama/Sobrenatural/Sci-Fi



Em um país dividido em várias cidades pequenas e idílicas, onde os habitantes vivem seus dias de maneira pacata, tradicional e sem a utilização de tecnologia moderna, Saki Watanabe e seus amigos vivem na cidade de Kamisu 66. Saki já está com 12 anos, a idade em que seus poderes de telecinésia devem começar a se manifestar, mas nenhum sinal disso ainda ocorreu, algo que claramente preocupa seus pais. Para o alívio de todos, no entanto, Saki manifesta suas habilidades não muito mais tarde, e é portanto mandada para a escola juntamente a seus amigos (Satoru Asahina, Maria Akizuki, Mamoru Itou, Shun Aonuma e Reiko Amano) para desenvolver e aprender a controlar seu poder.

Contudo, algo está claramente errado. Uma sensação estranha, difícil de entender, toma conta de Saki durante seu dia-a-dia. Colegas de classe desaparecem não apenas das aulas, mas da memória de todos os alunos. Professores os encaram de maneira suspeita e até certo ponto hostil. Muitas regras, especialmente as do “Código de Ética” devem ser seguidas à risca, e as consequências de quebrá-las, apesar de nunca explicitadas, parecem ser severas de alguma forma.

Um dia, durante uma excursão escolar, Saki e seus amigos desviam do curso permitido e encontram um Falso Minoshiro, um animal mítico cujas lendas dizem ser extremamente perigoso. A partir daí, a vida de Saki e todo o seu grupo de amigos muda drasticamente ao descobrirem a verdadeira natureza da sociedade em que vivem. Nada nunca mais será o mesmo, e esse conhecimento recém-adquirido irá persegui-los pelo resto de suas vidas.

“Shin Sekai Yori” (em português: “Do Novo Mundo”) é uma adaptação baseada no livro homônimo de Yusuke Kishi, originalmente publicado em 2008. Dividido em dois volumes, foi uma obra literária muito consagrada no Japão, e em algum momento decidiram adaptá-la por completo para uma versão animada. Infelizmente, Shin Sekai Yori foi um anime muito ignorado na época de seu lançamento. As vendas de blu-rays (o único método de se lucrar na indústria de animes) foram abismais. Contudo, aos poucos a série foi sendo descoberta por entusiastas, especialmente espectadores ocidentais curiosos, ganhando um status de “cult” e sendo frequentemente rotulada como uma “jóia escondida” no mundo dos animes. E certamente o é.
Não dá para comentar muito além da premissa de Shin Sekai Yori sem dar spoilers, mas vou tentar: a série basicamente conta a história de jovens tentando viver suas vidas em uma sociedade que se sustenta na corda bamba, cujos sistemas, regras e segredos foram todos cuidadosamente construídos para que tudo não fosse por água abaixo. Saki e seus amigos descobriram algo que não deveriam, e isso por si só se mostra como uma ameaça para as suas vidas. Isso seria um argumento para como sua sociedade é podre, enganadora e injusta com os jovens. Muito longe disso.

Todos os detalhes envolvendo esse poder da telecinese que todos os humanos possuem são revelados aos poucos durante os arcos, colocando o espectador no ponto de vista das crianças enquanto elas mesmas começam a questionar a natureza da sociedade em que vivem, no que acreditar e como devem agir. Quando tudo está dito e feito, podemos compreender porque o “Novo Mundo” é assim. Na verdade, faz todo o sentido. Contudo, nem sempre todos os mecanismos de prevenção do mundo estão certos, e Saki e seus amigos acabam chegando, cada um, às suas próprias conclusões de como o mundo deveria ser.

O enredo de Shin Sekai Yori é fascinante, sutil e extremamente inteligente em suas metáforas e alegorias. Tudo na história tem um sentido, enriquece de alguma maneira todos os temas que se propõe a discutir, e isso resulta em uma bela e muito bem construída experiência que consegue equilibrar suspense, terror, romance, violência e até mesmo um pequeno toque de sci-fi para construir uma ambiência hipnotizante. As vilas onde os seres humanos vivem, todas tradicionais japonesas, pacatas e aparentemente pacíficas passam uma atmosfera serena e de calmaria, o que é realmente efetivo quando contrastado com todos os perigos e segredos sombrios escondidos por trás delas.

Mas nem tudo são flores, no final das contas… Ou melhor, no começo. Durante a vasta maioria de Shin Sekai Yori, o ritmo tende a ser mais lento e contemplativo, contudo sempre equilibrando elementos interessantes o suficiente para que você não sinta falta de cenas de ação ou alguma espécie de luta épica, exceto em seus primeiros episódios. Apesar de serem competentes e construírem um clima de vaga tensão em meio a paz, os primeiros quatro ou cinco episódios são simplesmente muito chatos. Quase nada acontece, os personagens reagem de maneira irritantemente “desinteressada” a todos os sinais de que algo está errado (apesar de isso fazer sentido mais tarde), e muitas cenas absolutamente silenciosas são alguns dos fatores que podem fazer alguém desistir de assistir ao resto do anime. A partir do momento que as crianças entram em contato com o tal de Falso Minoshiro, as coisas finalmente começam a se desenvolver e Shin Sekai Yori mostra sua verdadeira natureza, mas isso é só depois de múltiplos episódios que variam entre “ok” e “nossa, que tédio”.

Outro ponto negativo é o visual. Apesar de a direção de arte ser sublime e adicionar muito para a atmosfera do anime, é evidente que o orçamento para sua produção estava apertado. A qualidade de animação flutua bruscamente entre uma cena e outra, os traços e nível de detalhamento são muito irregulares e algumas liberdades artísticas (como os enquadramentos bizarros de um episódio em específico que foi dirigido por um diretor convidado) atrapalham um pouco na imersão do enredo. Impressionantemente, no entanto, é possível notar que fizeram muito com pouco nesse quesito, pois a fluidez dos movimentos se mantém estranhamente satisfatória e elegante apesar de todo o resto.

A trilha sonora é simplesmente maravilhosa. Muito atmosférica, poderosa e ao mesmo tempo discreta o suficiente para não roubar nenhuma cena. Todos os momentos, desde os de tensão até os de serenidade, são perfeitamente amplificados pelas músicas. A música de fundo “Traditional Song of Shadows”, em especial, é de arrepiar os pelos do corpo, e também cabe uma menção honrosa para o primeiro encerramento, “Wareta Ringo”. Vale mencionar que o anime, peculiarmente, não possui nenhuma abertura. Os episódios já começam de maneira seca, com os créditos iniciais aparecendo na tela durante as cenas, antes do logo surgir de alguma forma.



Shin Sekai Yori é um daqueles casos raros em que encontramos uma obra tão bem definida que chega a ser até inspiradora. Um enredo extremamente bem construído onde todos os detalhes importam e culminam em um ótimo arco final; direção geral e de arte extremamente competentes na forma como a história é contada e toda a sua ambientação; uma trilha sonora perfeitamente atmosférica e sutil. Todos os elementos se unem de maneira coesa e formam um resultado final tão bem executado que chega a ser impressionante como a ficção tem tanto a dizer sobre o nosso mundo e a natureza humana. Shin Sekai Yori fala de muitos temas, mas eu diria que o principal é a fragilidade de nossa sociedade e o medo, por parte dos adultos, de que as gerações mais novas destruam tudo o que eles construíram. É certamente um ótimo anime para aguçar seu filósofo interno e, se você conseguir ignorar a qualidade de animação abaixo do padrão e a monotonia de seus episódios iniciais, com certeza vai ficar pensando sobre todos os temas propostos por Shin Sekai Yori muito depois dos créditos finais.


Lucas Funchal